A ANGÚSTIA DO PAI
O amor ainda é, inevitavelmente, uma projeção de nossas idealizações. Até mesmo o amor piedoso de Deus ensinado pela religião perpassa pela concepção imaginativa, fantasística e cheia de expectativas do Criador para com o Homem.
Eis o porquê da angústia do Pai Criador perante à conduta do Homem criado. A decepção com o ser amado leva o Deus-Pai a impor aos seus filhos a condenação de morte por afogamento, por meio de inundação da Terra, posto que para ele, Pai, é melhor que morram aqueles filhos que lhe refletem o próprio fracasso da sua criação!
E não ocorre assim até hoje? Quantos pais, sentindo-se falidos não desejam o sumiço, e até a morte, de seus filhos que revelam as fraquezas de um pai falido em sua expectativa de criador.
E enquanto se decepciona, ainda assim, não deixa de criar expectativas para se ver de forma narcisista, onde sua criatura deverá dar-lhe alegria. E eis que surge a figura de Noé que não tem como escapar de cumprir com a vontade do Criador, aceitando a contra gosto a missão de salvar algo da Criação.
A função de Noé é tal qual a do filho escolhido pelos pais para satisfazê-los como última e única esperança de que algo na paternidade deu certo.
Ele é obediente e com isso torna-se sobrecarregado ao ponto de dar ao Pai a resposta de seu desejo de salvação.
Mas, em verdade, Noé estava salvando o pai do fracasso total. Ao mesmo tempo, também, salva a esperança do Criador de um dia ter todos os filhos obedientes sob a ameaça do medo e não confiantes no amor que simplesmente ama.
A angústia do pai é para que se materialize um dia a gratidão, em forma de adoração e reconhecimento ao único responsável pela felicidade da criatura. E tudo fica bem até o dia em que a criatura descobre que estava infeliz enquanto seu criador era pleno, posto que fazia não a sua, mas a vontade do Pai.
E há maior gozo para um pai em sua compreensão de amor e felicidade do que receber de volta, em sua casa, a filha ou o filho pródigo?
Estes não são, também, a representação da angústia do amor atormentado em decepção e que agora reacende na esperança de que será gratificado e reconhecido?
Afinal, o filho voltou a necessitar do pai. Há gozo maior para este?
O que espera o pai, senão a recompensa do que foi dado em forma de uma resposta que plenifique o esforço de todo um investimento?.
Investimento este que fora dado desde a energia mobilizada pelo desejo alimentado pelas idealizações da criação, até porque o filho imaginado deverá refletir a imagem e semelhança do Criador.
E com o tempo, o Deus-Pai voltará a se decepcionar. Sabe por qual motivo? Porque é da ordem que a criatura desobedeça ao Criador. De Adão ao Monstro de Frankstein, sempre existiram aqueles que se rebelaram contra o pai.
E para o Pai manter-se entre e a expectativa do gozo, ou seja, da vontade feita, e a angústia de ser gratificado, não há outro caminho a não ser tomar para si um poder que não lhe pertence mais, o do instante da criação. E esse momento só existe agora, na anulação da criatura. Então, retomamos ao instante da perda do Paraíso, onde os filhos só foram amados e onde tudo esteve em paz, até o dia em que comeram do fruto do conhecimento.
Depois disso, só angústia, decepção e a não aceitação da vontade dos filhos “insolentes”. E a decepção associada à angústia por parte de um ser dual que ama e odeia atravessou os milênios e ainda faz seus filhos sentirem o peso de seu desejo contrariado.
Ou os filhos fazem a Sua vontade, ou não voltam para casa! Seremos órfãos de Pai, de Amor enquanto formos insolentes. E o Pai está destinado a criar e tentar destruir a criação porque seu gozo é inalcançável e seu amor por demais atormentado, posto que é puro desejo irrealizável.
Talvez, você esteja se perguntando, há alguma escolha, então, para a Criatura? Eis aqui as mais conhecidas: perda do Paraíso por acessar o conhecimento; morte por afogamento devido à desobediência; ou voltar arrependido para casa, e com isso não se perdoar, porém realizar a vontade e o gozo perverso do Pai, e assim será para sempre, ilusoriamente, amado. Escolha!
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