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A INCRÍVEL HISTÓRIA DA BÍBLIA “ROUBADA”

O cenário é por demais encantador. Montanhas rochosas com mais de 2.700 m de altitude, um vale consagrado na aridez do deserto, bem distante do generoso rio Nilo. Não fosse o esforço de atravessar o Saara saindo da cidade do Cairo, em uma viagem de 4 horas de carro, eu teria ficado sem um dos pontos mais importantes de minha pesquisa: o Mosteiro de Santa Catarina.

Situado ao pé do Monte Sinai, o mosteiro guarda, além de extraordinárias relíquias cristãs, histórias típicas das telas de cinema. A principal delas remete-nos ao século XIX, especificamente no dia 24 de maio de 1844, quando um ambicioso pesquisador alemão, de nome Tischendorf chegou ao Monte Sinai.

Tischendorf acreditava ser portador de uma missão: resgatar a origem do pensamento de Jesus e para isso costumava visitar bibliotecas por toda a Europa e Oriente Médio.

Na opinião de muitos pesquisadores, foi ele quem mais contribuiu para a pesquisa em torno do Novo Testamento, com achados importantes em bibliotecas e museus. Graças, é claro, a sua perseverança! Onde pudesse existir uma mínima evidência da presença de supostos textos originais que falassem sobre Jesus lá estava ele.

Em meu livro O Cristianismo de Yehoshú’a – A Busca pelo Evangelho Perdido registrei o fato que narrarei aqui. A postura investigativa de Tischendorf o levou à maior descoberta em sua época: o Códice Sinaítico. Como o próprio nome já diz, este material foi descoberto no Monte Sinai, Egito, na intimidade do mosteiro de Santa Catarina. Em uma noite muito fria, montado em um camelo, com apenas 29 anos, Tischendorf chegou ao mosteiro e foi bem recebido pelos monges ortodoxos cristãos. Ainda hoje, seguindo a tradição, monges cristãos administram e vivem ali em isolamento. Como suas viagens eram caras, ele precisou contar com a ajuda de patrocinadores, entre eles aparece a figura do Czar da Rússia Alexandre II.

Em seu livro Quando os Evangelhos foram escritos? ele narra o episódio ocorrido no monte Sinai: “Foi no sopé do Monte Sinai, no Convento de Santa Catarina, que descobri a pérola de todas as minhas buscas. …Percebi no meio do grande saguão um grande e largo cesto, cheio de antigos pergaminhos; e o bibliotecário, que era um homem bem informado, disse-me que duas pilhas de papeis como aquelas, esfareladas pelo tempo, já tinham sido entregues às chamas. Qual não foi a minha surpresa ao encontrar em meio àquela pilha de papeis um número considerável de folhas de uma cópia do Antigo Testamento em grego, que me parecia ser uma das mais antigas que eu já vira. Os superiores do mosteiro me permitiram entrar na posse de um terço daqueles pergaminhos, algo como quarenta e três folhas, e muitas mais que aquelas que já estavam destinadas ao fogo. Não consegui permissão para ficar com todo o resto. A intensa satisfação que demonstrei levantara neles suspeitas de que se tratava de um manuscrito valioso. Transcrevi uma página do texto de Isaías e outra do de Jeremias e adverti os monges a tomarem religioso cuidado com tais relíquias, que permaneciam sob seu poder”.

Tischendorf esteve de volta ao mosteiro no ano de 1859, porém não estava conseguindo encontrar o material. Antes de partir teve um diálogo com o responsável do mosteiro e este lhe revelou que já havia lido estes manuscritos que incluíam, inclusive, uma cópia do Antigo Testamento em grego. Com emoção, o pesquisador revela em seu livro como achou os textos em um canto da sala, cobertos por um tecido vermelho. Ele teve nas mãos alguns livros do Antigo Testamento, o Novo Testamento completo, e uma Epístola de Barnabé, além de uma parte do Pastor de Hermas. Tischendorf alega em seu livro ter levado este material para sua cela com o intuito de produzir cópias. Ele chegou a dizer aos monges que o Czar da Rússia ficaria grato caso este material fosse levado a ele, e assim enviaria presentes aos monges em forma de reconhecimento. Porém, no dia seguinte, os monges não o encontraram, muito menos os livros. O Czar mesmo assim enviou relicários de presente aos monges.(Foto de Tischendorf abaixo)

Tischendorf

Os monges até hoje não guardam bons sentimentos nem boas lembranças de Tischendorf. Tentei tocar no assunto quando em pesquisas que realizei no local, mas o silêncio prevaleceu, mesmo sabendo que os monges se negariam a falar sobre o que os deixou se sentindo roubados.

Quando a Rússia passou por difíceis situações financeiras após a revolução, este material foi vendido à Inglaterra pelo preço de cem mil libras. Em contato com pesquisadores do museu tive a oportunidade de conhecer um pouco mais de seu conteúdo. Ainda hoje, encontra-se como símbolo de um rico acervo histórico no Museu Britânico.

A “Bíblia Roubada”, como costumo chamá-la, após mais uma noite de inverno, seria chamada de “Bíblia Queimada”, se não fosse pela intervenção, pelo gênio aventureiro e desbravador de Tischendorf. Então de fato ela não foi roubada, mas salva, pois seria mais uma queimada pela ignorância e pelo desrespeito a todos aqueles que impulsionados pela coragem e perseverança se identificam com a busca pela verdade. Graças a este homem, entre tantas descobertas que fez, herdamos esses conhecimentos que foram negligenciados, desvalorizados e esquecidos pelo Cristianismo.

FOTO: LISZT RANGEL – MOSTEIRO DE SANTA CATARINA VISTO DURANTE A DESCIDA DO MONTE SINAI.

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