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QUEM É O MITO?

Por diversas vezes, o Cinema tenta trazer ao conhecimento do público não apenas histórias da vida em forma de dramas e romances, mas, também, tenta aproximar o grande público dos épicos, dos clássicos que se multiplicam século após século no imaginário popular. Isto ocorreu com a superprodução de filmes como Spartacus e Cleópatra, entre outros.

Nos últimos anos, ainda que venham cometendo graves erros históricos como se observa nas obras Fúria de Titãs, Percy Jackson, Imortais, Deuses e Reis, as indústrias cinematográficas, além de faturarem milhões de dólares, vêm resgatando a mitologia do Mundo Antigo. É claro que isso tem sido feito sem o devido cuidado com a distância a ser considerada entre o que foi escrito na Antiguidade e a releitura na Pós Modernidade. Enfim, talvez, numa tentativa de levar à popularização de belas histórias que ainda hoje são desconhecidas ou que, quem sabe, a explicação seja mais profunda.

Do ponto de vista psicológico e sociológico, as massas, em especial, na condição emocional dos desesperados, refletem uma profunda necessidade de endeusar e seguir heróis (FREUD, 2013). Estes nada mais são do que seres humanos, superestimados na carência e na falta de um modelo que inspire uma esperança, mesmo que ilusória. Isto se vê, nitidamente, na franquia dos filmes da Marvel ou da Comics com seus X-Men, e toda uma gama de super-heróis, sempre escondendo suas fragilidades, a fim de se mostrarem poderosos perante os mais fracos e injustiçados.

Em 2014, foi feita para o Cinema uma releitura do herói grego Hércules, interpretado pelo famoso The Rock, o ator Dwayne Johnson, que, por sinal, vem conseguindo se expressar melhor em suas caras e bocas do que o teimoso Sylvester Stallone. Bem, a proposta deste Hércules não é, simplesmente, mostrar ao mundo seu poder, realizando os famosos “doze trabalhos”, sob as ordens do ambicioso rei Euristeu.

O filme tem algo diferente, pois consegue revelar de forma sensata que Hércules, assim como outros grandes mitos, foi submetido a um profundo processo de modelagem por parte de quem necessitava disseminar a cultura da idolatria, difundindo crenças que com o tempo, além de se tornarem cristalizadas, passaram a fazer parte, inclusive, do inconsciente coletivo da Humanidade, como foram os casos da virgindade e divindade da “Mãe-Maria”, de um Deus-Pai como o Todo Poderoso e de um dilúvio. (JUNG, 2008).

Os homens de hoje não se contentam em admirar os deuses e heróis da mitologia. Eles desejam se sentir os próprios, da mesma forma que ocorreu com Alexandre, Ramsés, Júlio César e Augusto, temos homens e mulheres se colocando como “Salvadores da Pátria”, pretensos “Messias”, e entre estes os que se utilizam de dois pontos que podem ser considerados os mais fracos de uma sociedade que não preza pela razão e despreza a instrução: a perda da identidade como sujeito e a necessidade de eleger o misterioso com fins de manter acesa a esperança.

A falta de identidade leva a um processo de massificação, de rompimento com o bom senso e com a lógica, elegendo “doutores” em tudo, e que são seguidos por seus títulos acadêmicos ou funções políticas que pesam numa sociedade envernizada onde se escondem a hipocrisia e a baixa na autoestima. Tais “doutores”, que mais se parecem com os antigos sofistas da Grécia, envolvem a todos numa incontrolável verborragia, mergulhando a sociedade numa neurose coletiva, onde a ideologia do discurso não é percebida, principalmente porque as necessidades do povo foram previamente estudadas, e desta forma, fala-se ou se escreve sobre o que as pessoas desejam ouvir, até porque estas precisam ser acalentadas em seus lugares de eternas sofredoras, de vítimas e pobres coitadas.

Isto, também, gera um consequente afastamento da autonomia e da responsabilidade de assumir as próprias escolhas. Assim, sem atribuir a si mesmo os fracassos, o Homem inebria-se com fórmulas prontas para a solução de todas as problemáticas. Nesta hora, o sonho do indivíduo se confunde com o poder do mito, e Joseph Campbell (1972) escreveu de forma concisa e objetiva quatro funções psíquicas e culturais do mito, sendo a quarta, justamente, aquela em que o indivíduo se sente guiado passo a passo, buscando saúde, força e harmonia espiritual, almejando sempre uma vida proveitosa. Eis então que surge outro ponto vulnerável e bem aproveitado pelos que se colocam e foram postos no lugar do mito: a procura pelo sobrenatural.

O outro ponto é tão antigo quanto o primeiro. Este se revela na necessidade de passar para outrem a busca que é pessoal e intransferível, voltando a olhar para o maravilhoso e o sobrenatural. Neste grupo são heróis os médiuns, os sacerdotes, os pastores, ou seja, evoca-se desta maneira a velha ligação entre Religião e Sociedade, a fim de que o Homem devote toda sua confiança na intervenção mágica e milagrosa do além, do divino, contanto que ele pague o preço de não pensar por si, nem questione coisa alguma.

Até hoje, a cultura do herói prevalece e seu exercício é implantado com fins de obtenção de poder, supremacia, dominação sobre as classes menos esclarecidas e sobre aqueles que se sentem profundamente necessitados.

Aquele, portanto, que não busca o conhecimento se torna um dependente emocional e, consequentemente, dependente do conhecimento do outro. São tolos que seguem tolos, travestidos de sábios. São homens que escondem a humanidade a fim de serem vistos e seguidos como mitos!

BIBLIOGRAFIA:
FREUD, S. A Psicologia das massas e a análise do Eu. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2013.
JOSEPH, C. Myths to live by. Nova York: Viking Press, 1972.
JUNG, C. O Homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

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