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Milhares de pessoas costumam citar frases e fatos atribuídos a Jesus, sem sequer terem antes se perguntado da veracidade dos mesmos.

É claro que para os “leigos”, (pessoas do Povo, assim chamadas pela Igreja na Idade Média que podiam ser iletradas ou não, mas que não possuíam o conhecimento do Clero acerca das Escrituras) não há a devida preocupação com a autenticidade do que foi colocado na boca de Jesus nem no seu comportamento.

Esta tarefa minuciosa requer um desprendimento ou como costumo dizer, um “desapaixonamento” da figura divinizada do Cristo, mas bem sei que isto não é fácil, haja vista, tais paixões e crenças se encontrarem como pilares de uma sociedade cristã.

Ainda que de forma respeitosa às crenças, a análise do que foi dito ou do que jamais teve espaço na personalidade do Galileu, Yeshua, ou como queiram chamá-lo por Jesus, interessa-nos por trazer de volta a originalidade de seu pensamento e de sua história.

Além disso, fazer valer um pouco de justiça à Historicidade do Homem Jesus através das pesquisas, revelando adulterações, plágios, enxertos que geraram ao longo de milênios inúmeras crenças limitantes, sem esquecer das posturas fanáticas, das neuroses e psicoses coletivas, acabando por cristalizar um estado de adoecimento psicossocial das sociedades ditas cristãs.

O caso que ora apresento é fruto de estudos nascidos em minha longínqua adolescência e que somente nos últimos dez anos pude comparar tais pesquisas bibliográficas com o acesso que me foi concedido em pesquisas de campo, sem deixar de fora de minhas observações a Torá, o Talmud Babilônico e ainda, antigos textos apócrifos em hebraico.

As acusações de plágio sofridas pelo Cristianismo são tão antigas quanto as origens da própria religião cristã.

Um desses argumentos se revela na própria contradição entre os evangelhos atribuídos a Mateus (8:5-13) e a Lucas (7:1) e o místico e helênico Evangelho de João (4:46-53) e diz respeito a uma suposta cura do “servo do centurião” segundo Mateus e Lucas, mas em João, o servo é substituído pelo “filho” de um funcionário real, provavelmente, de Herodes Antipas, na região de Tiberíades.

Rogo à criticidade exegética para que lance algumas luzes teológicas com fins de esclarecer uma problemática histórica milenar que é o ódio entre judeus e cristãos.

Com isso, desejo esclarecer que o “centurião”, logo, pagão e possivelmente romano, recebe um elogio de Jesus no que diz respeito a ter andado por toda Israel e não ter encontrado “fé maior”, ou seja, uma bofetada teológica na face dos judeus que o escutavam, o que já revela uma proposição política e ideológica da Igreja Cristã Primitiva.

Já na versão joanina, o evangelho da redenção dos gentios e judeus ao Cristianismo, o “servo” que agora aparece como “filho de um judeu”, é beneficiado por um Galileu, neste caso Jesus, que seria mais à frente assassinado pelos judeus, trazendo à tona todo o peso da crença e da tradição cristãs sobre os ombros dos Filhos de Abraão.

Caso a nossa pesquisa tivesse parado nestes pontos de ideologia teológica, não teríamos conseguido um objetivo mais esclarecedor que se volta para a origem da suposta cura realizada por Jesus e que já era de conhecimento na tradição judaica, tendo como personagem principal um Curandeiro de nome, Hanina ben Dosa.

Hanina ben Dosa foi contemporâneo de Jesus, porém, viveu em Gabara, cerca de 20 km de distância de Nazaré. Ele era famoso não apenas por sua sabedoria, mas também, por sua capacidade terapêutica, uma vez que seu ramo de origem, os Hassidim, já se dedicavam a estas e outras práticas curandeiristas, incluindo a de fazer chover em locais áridos.

A passagem que revela o plágio cristão se encontra na tradição oral judaica que tomou forma escrita a partir do século I E.C. e ganhou notoriedade através do Talmud Babilônico entre 200 e 500 de nossa era. Vamos então, a ela:

“𝘼𝙘𝙤𝙣𝙩𝙚𝙘𝙚𝙪 𝙦𝙪𝙚 𝙦𝙪𝙖𝙣𝙙𝙤 𝙤 𝙛𝙞𝙡𝙝𝙤 𝙙𝙤 𝙍𝙖𝙗𝙗𝙖𝙣 𝙂𝙖𝙢𝙖𝙡𝙞𝙚𝙡 𝙘𝙖𝙞𝙪 𝙙𝙤𝙚𝙣𝙩𝙚, 𝙚𝙡𝙚 𝙚𝙣𝙫𝙞𝙤𝙪 𝙙𝙤𝙞𝙨 𝙥𝙪𝙥𝙞𝙡𝙤𝙨 𝙖 𝙍. 𝙃𝙖𝙣𝙞𝙣𝙖 𝙗𝙚𝙣 𝘿𝙤𝙨𝙖, 𝙥𝙖𝙧𝙖 𝙦𝙪𝙚 𝙗𝙚𝙣 𝘿𝙤𝙨𝙖 𝙧𝙚𝙯𝙖𝙨𝙨𝙚 𝙥𝙤𝙧 𝙚𝙡𝙚. 𝙌𝙪𝙖𝙣𝙙𝙤 𝙤𝙨 𝙫𝙞𝙪, 𝙚𝙡𝙚 𝙨𝙪𝙗𝙞𝙪 𝙖𝙤 𝙦𝙪𝙖𝙧𝙩𝙤 𝙚 𝙤𝙧𝙤𝙪. 𝘼𝙤 𝙙𝙚𝙨𝙘𝙚𝙧, 𝙙𝙞𝙨𝙨𝙚-𝙡𝙝𝙚𝙨: ‘𝙑ã𝙤, 𝙥𝙤𝙞𝙨 𝙖 𝙛𝙚𝙗𝙧𝙚 𝙤 𝙙𝙚𝙞𝙭𝙤𝙪…” 𝙀𝙡𝙚𝙨 𝙨𝙚𝙣𝙩𝙖𝙧𝙖𝙢-𝙨𝙚, 𝙚𝙨𝙘𝙧𝙚𝙫𝙚𝙧𝙖𝙢 𝙚 𝙖𝙣𝙤𝙩𝙖𝙧𝙖𝙢 𝙖 𝙝𝙤𝙧𝙖. 𝙌𝙪𝙖𝙣𝙙𝙤 𝙚𝙣𝙘𝙤𝙣𝙩𝙧𝙖𝙧𝙖𝙢 𝙤 𝙍𝙖𝙗𝙗𝙖𝙣 𝙂𝙖𝙢𝙖𝙡𝙞𝙚𝙡, 𝙚𝙡𝙚 𝙡𝙝𝙚𝙨 𝙙𝙞𝙨𝙨𝙚: ‘𝙋𝙤𝙧 𝘿𝙚𝙪𝙨, 𝙫ó𝙨 𝙣𝙚𝙢 𝙖𝙟𝙪𝙙𝙖𝙨𝙩𝙚𝙨 𝙣𝙚𝙢 𝙖𝙩𝙧𝙖𝙥𝙖𝙡𝙝𝙖𝙨𝙩𝙚𝙨, 𝙢𝙖𝙨 𝙛𝙤𝙞 𝙖𝙨𝙨𝙞𝙢 𝙦𝙪𝙚 𝙖𝙘𝙤𝙣𝙩𝙚𝙘𝙚𝙪. 𝙁𝙤𝙞 𝙣𝙚𝙨𝙩𝙖 𝙝𝙤𝙧𝙖 𝙦𝙪𝙚 𝙖 𝙛𝙚𝙗𝙧𝙚 𝙘𝙚𝙙𝙚𝙪 𝙚 𝙚𝙡𝙚 𝙣𝙤𝙨 𝙥𝙚𝙙𝙞𝙪 á𝙜𝙪𝙖.”

Agora, pode-se comparar com a passagem em João (4:46-53):

“𝙀𝙡𝙚 𝙫𝙤𝙡𝙩𝙤𝙪 𝙣𝙤𝙫𝙖𝙢𝙚𝙣𝙩𝙚 𝙖 𝘾𝙖𝙣á 𝙙𝙖 𝙂𝙖𝙡𝙞𝙡é𝙞𝙖, 𝙤𝙣𝙙𝙚 𝙩𝙧𝙖𝙣𝙨𝙛𝙤𝙧𝙢𝙖𝙧𝙖 á𝙜𝙪𝙖 𝙚𝙢 𝙫𝙞𝙣𝙝𝙤. 𝙃𝙖𝙫𝙞𝙖 𝙪𝙢 𝙛𝙪𝙣𝙘𝙞𝙤𝙣á𝙧𝙞𝙤 𝙧𝙚𝙖𝙡, 𝙘𝙪𝙟𝙤 𝙛𝙞𝙡𝙝𝙤 𝙨𝙚 𝙖𝙘𝙝𝙖𝙫𝙖 𝙙𝙤𝙚𝙣𝙩𝙚 𝙚𝙢 𝘾𝙖𝙛𝙖𝙧𝙣𝙖𝙪𝙢. 𝙊𝙪𝙫𝙞𝙣𝙙𝙤 𝙙𝙞𝙯𝙚𝙧 𝙦𝙪𝙚 𝙅𝙚𝙨𝙪𝙨 𝙫𝙞𝙚𝙧𝙖 𝙙𝙖 𝙅𝙪𝙙𝙚𝙞𝙖 𝙥𝙖𝙧𝙖 𝙂𝙖𝙡𝙞𝙡é𝙞𝙖, 𝙛𝙤𝙞 𝙥𝙧𝙤𝙘𝙪𝙧á-𝙡𝙤, 𝙚 𝙥𝙚𝙙𝙞𝙖-𝙡𝙝𝙚 𝙦𝙪𝙚 𝙙𝙚𝙨𝙘𝙚𝙨𝙨𝙚 𝙚 𝙘𝙪𝙧𝙖𝙨𝙨𝙚 𝙨𝙚𝙪 𝙛𝙞𝙡𝙝𝙤, 𝙦𝙪𝙚 𝙚𝙨𝙩𝙖𝙫𝙖 à 𝙢𝙤𝙧𝙩𝙚. 𝘿𝙞𝙨𝙨𝙚-𝙡𝙝𝙚 𝙅𝙚𝙨𝙪𝙨: ‘𝙨𝙚 𝙣ã𝙤 𝙫𝙞𝙧𝙙𝙚𝙨 𝙨𝙞𝙣𝙖𝙞𝙨 𝙚 𝙥𝙧𝙤𝙙í𝙜𝙞𝙤𝙨, 𝙣ã𝙤 𝙘𝙧𝙚𝙧𝙚𝙞𝙨…’

Neste ponto, faço uma pausa na narrativa para explicar que o evangelho joanino tem a sutileza de falar em sinais, e não em milagres, uma prova da linguagem helênica, tipicamente grega, contrária à cultura judaica que conhecia mais de exorcismos e curas.

O Jesus de João mostra ao pai aflito que fará sinais, porém, aqui se observa mais um ataque aos judeus que presenciaram inúmeros sinais e, ainda assim, não creram no Salvador.

“… 𝙊 𝙛𝙪𝙣𝙘𝙞𝙤𝙣á𝙧𝙞𝙤 𝙧𝙚𝙖𝙡 𝙡𝙝𝙚 𝙙𝙞𝙨𝙨𝙚: ‘𝙎𝙚𝙣𝙝𝙤𝙧, 𝙙𝙚𝙨𝙘𝙚, 𝙖𝙣𝙩𝙚𝙨 𝙦𝙪𝙚 𝙢𝙚𝙪 𝙛𝙞𝙡𝙝𝙤 𝙢𝙤𝙧𝙧𝙖! 𝘿𝙞𝙨𝙨𝙚-𝙡𝙝𝙚 𝙅𝙚𝙨𝙪𝙨: 𝙑𝙖𝙞, 𝙩𝙚𝙪 𝙛𝙞𝙡𝙝𝙤 𝙫𝙞𝙫𝙚.’ 𝙊 𝙝𝙤𝙢𝙚𝙢 𝙘𝙧𝙚𝙪 𝙣𝙖 𝙥𝙖𝙡𝙖𝙫𝙧𝙖 𝙦𝙪𝙚 𝙅𝙚𝙨𝙪𝙨 𝙝𝙖𝙫𝙞𝙖 𝙙𝙞𝙩𝙤 𝙚 𝙥𝙖𝙧𝙩𝙞𝙪. 𝙀𝙡𝙚 𝙟á 𝙙𝙚𝙨𝙘𝙞𝙖, 𝙦𝙪𝙖𝙣𝙙𝙤 𝙤𝙨 𝙨𝙚𝙪𝙨 𝙨𝙚𝙧𝙫𝙤𝙨 𝙫𝙞𝙚𝙧𝙖𝙢-𝙡𝙝𝙚 𝙖𝙤 𝙚𝙣𝙘𝙤𝙣𝙩𝙧𝙤, 𝙙𝙞𝙯𝙚𝙣𝙙𝙤 𝙦𝙪𝙚 𝙨𝙚𝙪 𝙛𝙞𝙡𝙝𝙤 𝙫𝙞𝙫𝙞𝙖. 𝙋𝙚𝙧𝙜𝙪𝙣𝙩𝙤𝙪, 𝙚𝙣𝙩ã𝙤, 𝙖 𝙦𝙪𝙚 𝙝𝙤𝙧𝙖𝙨 𝙚𝙡𝙚 𝙨𝙚 𝙨𝙚𝙣𝙩𝙞𝙧𝙖 𝙢𝙚𝙡𝙝𝙤𝙧. 𝙀𝙡𝙚𝙨 𝙡𝙝𝙚 𝙙𝙞𝙨𝙨𝙚𝙧𝙖𝙢: ‘𝙊𝙣𝙩𝙚𝙢, 𝙖 𝙝𝙤𝙧𝙖 𝙨é𝙩𝙞𝙢𝙖, 𝙖 𝙛𝙚𝙗𝙧𝙚 𝙤 𝙙𝙚𝙞𝙭𝙤𝙪.’ 𝙀𝙣𝙩ã𝙤, 𝙤 𝙥𝙖𝙞 𝙧𝙚𝙘𝙤𝙣𝙝𝙚𝙘𝙚𝙪 𝙨𝙚𝙧 𝙥𝙧𝙚𝙘𝙞𝙨𝙖𝙢𝙚𝙣𝙩𝙚 𝙖𝙦𝙪𝙚𝙡𝙖 𝙝𝙤𝙧𝙖 𝙚𝙢 𝙦𝙪𝙚 𝙅𝙚𝙨𝙪𝙨 𝙡𝙝𝙚 𝙙𝙞𝙨𝙨𝙚𝙧𝙖: ‘𝙏𝙚𝙪 𝙛𝙞𝙡𝙝𝙤 𝙫𝙞𝙫𝙚’; 𝙚 𝙘𝙧𝙚𝙪, 𝙚𝙡𝙚 e 𝙩𝙤𝙙𝙤𝙨 𝙙𝙖 𝙨𝙪𝙖 𝙘𝙖𝙨𝙖.”

A proporção do sinal feito por Jesus neste evangelho é tão grande que não só o judeu se converteu mas toda a sua família. Eis aqui mais um sinal, só que desta feita, trata-se de mais uma propaganda em favor da Igreja Cristã Primitiva no trabalho de conversão dos gentios e dos judeus.

A relação temporal com os fragmentos mais antigos das redações finais do evangelho atribuído a João nos leva ao mesmo período que os escritos rabínicos do Talmude, a primeira metade do século II E.C, ou seja, por volta do ano 150 de nossa era.

A análise feita neste artigo não tem por finalidade colocar em cheque a fé cristã ou judaica, mas sim, levantar uma reflexão com consequências transformadoras em nossa visão acerca do Homem Jesus, mostrando inicialmente quem ele não foi, para que depois, possamos iniciar a compreensão de quem ele, de fato, pode ter sido e, também, ensinado.

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