O DESENGANO
A palavra “pecado” pode remeter você, de imediato, a pensar em erro, imoralidade e, consequentemente, em sofrimento.
Ao lado desta associação ocorrem outras de natureza emocional e sentimental. As expressões “pecado”, “pecador” estão atreladas ao medo, à culpa e ao arrependimento: estados afetivos bem aproveitados, por sua vez, no discurso de salvação do Cristianismo.
A religião cristã surgiu com a proposta de arrependimento, posteriormente trabalhou os aspectos da indulgência (mesmo que vendida), perdão e salvação da alma, contanto que este processo ainda surgisse em vida, antes da morte do pecador.
Ao pecador não arrependido, cristão afastado da Igreja, resta-lhe, apenas, a opção do “fogo eterno do inferno”. Aos pagãos não convertidos ao Cristianismo também sobra o mesmo destino para as suas almas, por decisão da Santa Sé, é claro.
Na bela escultura de Francisco Queirolo, de 1754, exposta na capela San Severo, em Napoli, o pecado é retratado como uma rede que envolve o Homem. Não foi por acaso que o artista deu o nome à escultura de O Desengano e foi encomendada pelo filho do duque de Torremaggiore para presentear o próprio pai.
Perceba a delicadeza da obra, que por sinal nenhum dos ajudantes do artista, segundo conta a tradição, quis poli-la por medo de quebrar a rede.
Neste sentido, pode-se fazer uma pontuação bem analítica sobre a negação dos ajudantes, bem como sobre a ruptura com o pecado simbolizado na rede.
O medo de estragar o momento em que o Homem se liberta do processo de sair do pecado, despertar para uma nova realidade.
Ou seja, ai daqueles que se colocam como obstáculos à percepção de outra realidade para o seu semelhante. Pobres infelizes são estes que evitam a saída do Homem desta implicada rede de escolhas de dor, resultado da ignorância.
Apesar de bela, a obra possui uma ideologia do discurso de dominação do Cristianismo que se observa, nitidamente, na percepção de mundo do escultor. Na obra, é o Cristianismo que tem o poder de retirar o Homem do pecado.
Este domínio é visível em todo O Novo Testamento, onde a mensagem cristã tem a ousadia de ser a “salvação da humanidade” pelo único “Caminho, Verdade e Vida”, o mito chamado Cristo!
Fica ainda para ser descoberto o real motivo desse presente do filho ao pai, o Duque de Torremaggiore, porém, as reflexões em torno desta obra estão bem visíveis e compreensíveis.