PAIXÃO DE CRISTO – TEM UMA MÃO A MAIS AQUI!
A maioria dos fatos que envolvem a vida de Jesus é por demais contraditória. Isto se explica facilmente pela dificuldade de informações precisas e históricas no material que foi produzido com o nome de Evangelhos.
É quase unânime a opinião dos pesquisadores quanto aos autores dos evangelhos. Estes redatores não foram judeus e nenhum deles chegou a conhecer Jesus. Portanto fica muito difícil falar de alguém sem ter conhecido e ainda usar como fonte de consulta pessoas que não foram testemunhas oculares. São indivíduos que conheceram outros e que estes por sua vez conheceram outros que tiveram contato com um ou outro que ouviu falar, ou conheceu quem disse ter visto o fato.
Estes textos “sagrados” não foram escritos em aramaico ou hebraico, mas em grego e trazem a marca de pessoas cultas e letradas, bem diferente dos ignorantes e analfabetos pescadores galileus que acompanharam Jesus. Se houve algum escrito original em hebraico ou na língua semita de Jesus este texto não chegou até os nossos dias.
Quando lançamos o olhar investigativo seja no nascimento, na vida e na paixão do Homem de Nazaré, muitas contradições aparecem, colocando em xeque a veracidade dos fatos narrados nas escrituras. Um ponto em comum entre os pesquisadores acerca de sua morte foi o motivo principal para ela. É indiscutível que ele fez algo dentro do Templo que irritou os sacerdotes.
No evangelho atribuído a Marcos ele foi ao Templo nos últimos dias de sua vida, pois aquela semana era a da comemoração do Pessach, a páscoa judaica que relembra a fuga do Egito. Já no evangelho atribuído a João, ele vai ao Templo de Jerusalém logo no início de sua pregação, o que abriu espaço para uma argumentação sem provas por parte de algumas pessoas que sempre tentam arranjar uma explicação para o que não está escrito. A explicação foi a de que Jesus teria ido duas vezes ao Templo e cada evangelista só registrou uma.
É no evangelho de Marcos e Lucas que ele dá como exemplo de renúncia e desprendimento o óbulo da viúva. Se este fato ocorreu deve ter tirado o sono dos que viviam das ofertas dos pobres e das viúvas no Templo, ou seja, dos sacerdotes. Se isto fosse dito por ele em muitas Igrejas neopentecostais, atualmente, não ficaria vivo, com certeza! Quem iria admitir que quem dá menos oferta mais, pois dá com o coração? Portanto, logo de início, aparecem os primeiros suspeitos de sua morte: os sacerdotes do Templo, uma das elites de sua época.
Marcos e João apresentam paixões que não podem ser conciliadas. Em Marcos os discípulos perguntam a Jesus onde iriam comer a refeição do Pessach, em João não lhe perguntam nada. Em Marcos, durante a ceia que ocorre em uma quinta-feira à noite, ele se refere ao pão e ao vinho e em seguida é preso e crucificado na manhã da sexta, às nove horas. Para Marcos ele morreu no dia da preparação do Sabá, na sexta e não no dia anterior do Pessach, pois neste dia, o da preparação do Pessach, ele jantou com os amigos.
Já em João não há vinho, nem pão, mas ele se ajoelha para lavar os pés dos discípulos, fato este que não aparece em nenhum dos evangelhos. João ainda diz que ele recebeu a sentença de Pilatos no “dia da preparação do Pessach“, (João 19:14), perto da sexta hora, ou seja, perto do meio-dia que quer dizer que neste evangelho Jesus não jantou com os amigos e ainda morreu um dia antes do que foi assinalado em Marcos, ou seja, na quinta. O que complica ainda mais a situação da paixão de Jesus em João é que o evangelho diz que ele morreu no dia da preparação e supõe-se que naquele ano o dia do Pessach caiu em um sábado.
Lamento decepcionar, mas isto importa muito. Por quê? Porque João ou o autor de João mudou a data intencionalmente, pois é neste evangelho que está a base da remissão dos pecados proposta pela Igreja. É nele que Jesus é chamado de “Cordeiro de Deus” e foi justamente no dia da preparação que os cordeiros foram sacrificados em oferenda no Templo. Jesus como o “Cordeiro” veio tirar por meio do seu sacrifício o pecado do mundo. Na opinião de Ehrman, ex-pastor protestante, e no momento um dos mais sérios críticos textuais da Bíblia, “João teve que criar uma pequena discrepância entre seu relato e os outros.” (EHRMAN, 2010).
João, que não foi o João Evangelista, mas alguém que escreveu e assinou o seu nome, publica o evangelho da Teologia Cristã que vem trazer a proposta da salvação com a morte de Cristo, e isto também é a base do discurso equivocado do senhor Paulo de Tarso, um dos maiores senão o maior responsável pelo desvio que tomou a mensagem de Jesus.
É no evangelho atribuído a Marcos que Pilatos resolve oferecer uma escolha ao povo, Jesus ou Barrabás. Em nossas pesquisas em Roma não encontramos documentos que mostrem que esse era um costume à época de Jesus, muito menos tal prática foi encontrada na administração de Pilatos, sendo usada somente muito tempo depois em algumas situações. Outro detalhe que não pode deixar de ser citado é o nome do prisioneiro, Barrabás, que em aramaico quer dizer: bar = filho, abba = pai, ou seja, ele se chama filho do pai, o que não tem nenhum sentido e não se trata de nome próprio.
No evangelho atribuído a João Jesus conversa com Pilatos, fala- lhe sobre um reino em outro mundo, sobre o poder que é dado por Deus, sobre o que seria a verdade, enfim… Se isto ocorreu deve ter deixado o prefeito da Judeia achando que aquele Nazareno seria um pobre lunático alucinando. Enquanto que em Marcos Jesus apenas diz: “Tu o dizes” e não fala mais nada. A linha que é apresentada para a morte de Jesus, tanto em João quanto em Lucas, coloca os judeus como os culpados sobre a morte de Jesus. Em João, Pilatos mostra que ele é inocente e os judeus querem sua morte; em Marcos, Pilatos não o vê como um inocente; em Mateus, os judeus chegam a dizer que o sangue dele fosse derramado sobre aquela geração e as gerações futuras, ou seja, vamos assumir o mal que iremos fazer a este homem.
E o que isto importa a esta altura passados dois mil anos? É que a culpa sobre os “Filhos de Abraão” foi e ainda é motivo de ódio entre cristãos e judeus. Lembremos que a Igreja ficou calada diante do holocausto de 6 milhões de judeus. Foi registrado no evangelho de João que Jesus teria dito que os “judeus são filhos do diabo e não de Deus”. Jesus disse isto realmente?
Mais uma vez a figura do ex-fariseu Paulo reaparece como também responsável por agravar esta situação, haja vista se encontrar pregando entre romanos e não querer colocar a culpa sobre os ombros dos recém-convertidos ao Cristianismo. Aí estão as bases para o sentimento antijudaico. Como já pude escrever em outra oportunidade, “o ódio é velho!” (RANGEL, 2008)
Estas são apenas algumas das muitas contradições acerca da morte de Jesus, e que revelam a manipulação das massas convertidas a uma proposta de dominação política, religiosa e econômica: o Cristianismo. A religião cristã tem como salvador e condutor das almas pecadoras ao Paraíso o Cristo, que, aliás, não tem nada a ver com o filho de um construtor de casas que nasceu e viveu em Nazaré ensinando pelo exemplo a essência de um sacrifício maior, o da renúncia ao apego que gera perturbações, da morte do egoísmo que faz renascer a fraternidade entre os homens.
Em verdade se não compreendemos isto ainda é porque somos muito cristãos. E assim ao celebrarmos a sua paixão e permitirmos que ele morra crucificado todos os anos para pagar pelos nossos abusos, permanecemos infantis quanto as nossas responsabilidades e distantes de um compromisso edificante para um mundo melhor. Ou seja, ele sempre terá a obrigação de morrer por nós enquanto permanecemos pecadores compulsivos na obtenção do prazer, mesmo que ainda venhamos a sofrer e assim nos realizamos, pois gozamos… Gozamos com a nossa dor e com a dele!
Quando, finalmente, o retiraremos da cruz?
Bibliografia:
Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.
EHRMAN, Bart. Quem Jesus Foi? Quem Jesus não foi?. Rio de Janeiro: Ediouro, 2010.
RANGEL, Liszt. O Cristianismo de Yehoshú’a, A Busca Pelo Evangelho Perdido. Recife: Bom Livro, 2008.