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POR DENTRO DO CRISTIANISMO – QUEM FUNDOU?

Logo de início, quando se ouvem as palavras “Cristão” e “Cristianismo” deduz-se que elas possuem origem na palavra Cristo. A expressão é de origem grega, CHRISTUS e quer dizer “o Ungido”. Na tradição judaica, os seus reis Saul, Davi, Salomão foram ungidos por profetas. Seguindo a linha deste pensamento, se os cristãos desejavam convencer os judeus, e posteriormente os pagãos, que Jesus Cristo, morto na cruz, era o Rei de Israel, logo deve ter existido uma unção para Jesus, o que se verifica no suposto batismo do rio Jordão realizado por João Batista. E João não foi colocado como profeta? Então Jesus teve, também, um profeta a ungi-lo!

Até hoje os cristãos creem que foi Jesus quem fundou o Cristianismo. Entretanto não há qualquer fundamentação histórica, muito menos evidências para esta crença ser aceita como um fato. Ela nasce do pressuposto de que Jesus seria o Messias, mas não foram poucas as vezes que, segundo as narrativas, ele mesmo não expressava interesse pelo título messiânico, ou quando fugiu das cidades (Marcos 1:45), ou quando repreendeu as pessoas para que não falassem sobre isto. (Marcos 3:12).

O problema de Jesus ser visto como o fundador de uma nova religião não foi culpa da imensa maioria de cristãos analfabetos. Não, não! Eles não tinham tamanha engenhosidade para tal. Apenas seguiam o que diziam, não muito diferente dos muitos de ontem que seguiam os profetas, dos de hoje que seguem, de forma cega, políticos, pastores, padres, bispos, bispas, palestrantes, papas, médiuns, adivinhos e cartomantes.

Alguns dos amigos que estiveram ao seu lado, e que não podem ser chamados de cristãos, mas sim de adeptos ou simplesmente amigos do Nazareno, perceberam que ele era um homem sábio. Alguns, apenas alguns… Outros, em maior número, não o compreenderam. Se não o entenderam há dois mil anos, imagina, então, os que o seguem hoje? Sua mensagem original ainda é ignorada, e a grande massa acredita seguir o que ele disse sem nunca ter dito, tornando-se, assim, presa fácil de uma ideologia do discurso, uma ideologia de dominação e consequente anulação da arte de pensar.

Àquela época, a maioria estava à procura de um revolucionário. Entre estes se contam também os cristãos da segunda e da terceira geração em diante, responsáveis por projetarem no Nazareno a carência social e moral para além de um libertador na Palestina do século I d.C; na verdade a de um salvador. Segundo Bart Ehrman (2010) “A expectativa de muitos judeus na época de Jesus era a de que o Messias seria um poderoso rei-guerreiro”.

Entretanto há uma larga distância entre Jesus e o suposto Messias, ou melhor, entre Jesus e o Cristo, sendo o segundo personagem criado pelos líderes cristãos ao longo da edificação da nova religião.

As adequações feitas em Jesus para que este fosse visto como o Cristo também foi fator determinante no rompimento com o Judaísmo e com a consequente perseguição que os “Filhos de Abraão” – os judeus – sofreram por parte dos cristãos, os “únicos Filhos de Deus”. E um desses responsáveis pela adulteração tanto na mensagem de Jesus, quanto na compreensão da finalidade de sua presença entre os homens, foi um doutor da Lei, fariseu, perseguidor e assassino de cristãos, chamado Paulo de Tarso. “Paulo não estava preocupado com a atuação e os ensinos do Jesus vivo, mas com o feito do Cristo morto e ressuscitado para os crentes”. (VERMES, 2006).

Paulo de Tarso, batizado como Saul, era da cidade de Tarso, na Cilícia, situada ao sul da atual Turquia. Já nasceu cidadão romano e participou, por volta do ano 30 d.C, do assassinato do primeiro mártir do Cristianismo, Estêvão. Tanto os exegetas quanto os críticos textuais e historiadores sabem que Paulo não escreveu todas as cartas que levam seu nome. Alguns pesquisadores as resumem em um total de sete, outros ainda aceitam oito cartas como sendo de sua autoria. Até agora, então, temos: Romanos 1 e 2, Coríntios, Gálatas, Filipenses, Fênelon 1 e 2, Tessalonicenses, sendo que esta última é questionável. Já 1 e 2 Timóteo, Tito, Efésios, Colossenses e a mais dissidente de todas: a carta aos Hebreus, foram produzidas possivelmente por seus discípulos ou por cristãos que tentaram pegar a fama e a aceitação de suas cartas que já eram consideradas escrituras. O plágio já existia desde o século I d.C.

Foi Paulo quem deu o passo de rompimento com o Judaísmo ao defender a separação entre a aceitação da Lei judaica e a fé em Cristo. Para ele, ter fé em Cristo independia se o indivíduo era judeu ou pagão. Como afirma Ehrman (2006), “Em algumas de suas cartas, Paulo distingue a lei e o evangelho, insistindo que uma pessoa é justificada pela fé em Cristo (o evangelho), não pelo cumprimento das obras prescritas pela lei judaica”.

Na opinião de Hermínio de Miranda (2001) “Paulo sacrificou muito Jesus ao Cristo”. Ou seja, em seus escritos não há qualquer referência ao Jesus-Homem, muito menos uma aproximação com a essência de sua mensagem.

Simplesmente, o que Paulo fez foi trocar Moisés por Cristo e esta substituição ocorreu em nome de toda estrutura farisaica que o acompanhava, incluindo as ideias da ressurreição e da volta de Cristo – a Parusia. Também é presente em seu discurso a importância do sofrimento. Estas concepções não são de todo de origem judaica, mas se tornaram a base do Cristianismo. Ainda para Paulo, Adão foi o homem que introduziu o pecado no mundo e Jesus Cristo é o segundo Adão que teve como objetivo levar os pecados do mundo. Os judeus essênios, por exemplo, não acreditavam que a missão do Messias era a de sofrer pelo povo.

Paulo na Estrada

Existem vários fatos controversos e questionáveis na vida de Paulo. O principal deles é o episódio da voz que ele escuta e da luz que o cega. O outro fato é o do apedrejamento que ele diz ter sofrido em Listra, na atual Turquia.

Após ser expulso da cidade, ele se levanta como se nada tivesse lhe ocorrido e vai pregar em outro lugar e ainda conta o feito como se nenhuma pedra tivesse lhe aberto feridas ou quebrado os ossos. Vale lembrar que apedrejamento na tradição judaica era para matar! Não há seriedade nestes relatos em Atos dos Apóstolos. Se eles existiram não foi da forma como estão narrados, até porque foram colhidos mais de trinta anos depois de supostamente terem ocorrido.

Em ambos, o que se percebe é a deflagrada campanha autopromocional em torno de sua “missão” e a necessidade de ser aceito no grupo liderado por Pedro e Tiago, sendo este último irmão de Jesus. No episódio de Damasco, ninguém, com exceção de seus servos, presenciou o fenômeno da voz. Já o caso do apedrejamento, ele ainda se coloca na condição de que o verdadeiro apóstolo de Cristo tem que sofrer. Ele e seus admiradores fizeram muito bem o trabalho de marketing em torno de sua imagem.

Eis aqui um trecho de sua exaltação ao sofrimento por amor ao Cristo:

São (seus adversários cristãos, os contra-apóstolos) ministros de Cristo?Como insensato, digo: muito mais eu. Muito mais, pelas fadigas; muito mais, pelas prisões; infinitamente mais, pelos açoites. Muitas vezes, vi-me em perigo de morte. Dos judeus recebi cinco vezes os cinquenta golpes menos um. Três vezes fui flagelado. Uma vez, apedrejado. Três vezes naufraguei. Passei um dia em uma noite em alto-mar. Fiz numerosas viagens. Sofri perigos nos rios, perigos de ladrões, perigos por parte de meus irmãos de estirpe, perigos dos gentios… perigos dos falsos irmãos! (2 Cor 11:23-26)

O que é melhor, então? Alguém ter vivido ao lado de Jesus, ou Jesus, após a morte, ir chamá-lo para ser seu apóstolo? Não foi assim que ocorreu com Paulo?

O que dá mais importância e eleva o ego? 

E o prêmio após o sofrimento é a vida eterna…

Mesmo com tamanho marketing pessoal, os adeptos de Jesus não o aceitaram e o desacreditaram. Paulo, então, tornou-se ainda mais polêmico, discutindo e se afastando não apenas dos “cabeças” do grupo do Nazareno, mas também arranjou problemas com judeus nas sinagogas, com os gregos e com os romanos. Nem mesmo Barnabé, fiel amigo, aguentou sua companhia por muito tempo.

E até hoje Paulo tem seus seguidores. Eles são chamados de cristãos e são bem ortodoxos. Estão no Catolicismo defendendo a ressurreição de Cristo e a conversão através do corpo de Cristo, que segundo Paulo é a Igreja. Ou seja, fora da Igreja não há salvação! Ela deverá guiar os passos da Humanidade ao Paraíso e condenar os não convertidos ao Inferno. Como já andou fazendo ao longo da História…

Os protestantes também são profundos admiradores de Paulo, e consequentemente não são menos radicais, inclusive, muitos neopentecostais. O conceito de salvação proposto por Lutero já não tem mais a marca exclusivista da Igreja, na visão dos reformistas. A condição salvífica agora ocorre pela “graça” que o pecador recebe. Mudou de lugar, mas a exclusividade continuou. Antes era na Igreja, mas após a Reforma é através da fé em Cristo. Ou seja, assim como Paulo foi escolhido por Cristo, os reformistas também se acham escolhidos para a salvação da Humanidade. Para eles, só há uma salvação, e está em Cristo. Não adianta bater nas portas de outra religião, pois é Jesus quem o elege, tal qual na estrada de Damasco.

Sem uma análise desapaixonada acerca do Cristianismo nascente, não se conseguirá a compreensão de um passado que ainda interfere no presente, muito menos chegar-se-á ao entendimento de como os cristãos se afastaram do Nazareno e passaram a seguir um Cristo místico paulino.

Eis o homem – Paulo de Tarso – o verdadeiro fundador do Cristianismo. Apesar de ter uma péssima oratória, conseguiu se fazer ouvir pelas massas pagãs, porque era culto; apesar de fariseu, rompeu com o Judaísmo, fundou uma nova religião e ainda tocou fogo nas relações entre judeus e cristãos; apesar de se arvorar como fiel defensor de um Cristo que só ele entendia, foi o maior responsável pelo desaparecimento da mensagem de Jesus. Ele fundou inúmeras Igrejas pelo Mediterrâneo, as organizou internamente, impôs o véu sobre as mulheres, quis ganhar dinheiro com a religião e ordenou que suas cartas fossem lidas para todos, sem exceção, pois o seu objetivo era multiplicar prosélitos.

E foi assim que o mundo Ocidental conheceu o Cristo de Paulo, mas ainda ignora o homem Jesus de Nazaré.

BIBLIOGRAFIA

EHRMAN, Bart. Quem Jesus foi? Quem Jesus não foi? Rio de Janeiro: Ediouro, 2010.

VERMES, Geza. Quem é quem na época de Jesus. Rio de Janeiro: Editora Record, 2006.

EHRMAN, Bart. O que Jesus disse? o que Jesus não disse? Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

MIRANDA, H. Cristianismo: a mensagem esquecida. São Paulo: Casa Editora O Clarim, 2001.

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