Anterior

QUEM DISSE QUE JESUS É DEUS?

A questão é por demais complexa. Inicialmente ela tem profunda conexão com a natureza do nascimento de Jesus. Os dois evangelhos atribuídos a Mateus e Lucas descreveram a genealogia de Jesus de forma diferente. Mateus afirma que Jesus descendia de Abraão, mas Lucas a expandiu até Adão. Isto requer uma maior atenção para se compreender a perspectiva histórica e os fins políticos.

maria

Na época em que o Cristianismo estava se estruturando, por volta dos séculos I e II d.C., os judeus que haviam rejeitado Jesus como profeta receberam o argumento dos cristãos de que eles haviam assassinado o Messias prometido, e assim todo o material presente nos manuscritos passou a sofrer mais um tipo de adulteração: o deslocamento de passagens da Torá, e assim a religião nascente se apropriou do livro dos judeus e compôs o Velho Testamento. A maior alegação para tal atitude foi a de que os eleitos de Abraão haviam desperdiçado a oportunidade que Jeová concedera ao enviar seu único filho à Terra.

Com o processo de divulgação da nova religião entre os pagãos, principalmente entre os gregos, o ex-fariseu Paulo de Tarso e seus colegas da “Boa Nova” não puderam explicar com maior propriedade a “evangelização”, que tinha apenas como objetivo a meta da “salvação”. Para Paulo, ele não é um sábio como Sócrates, ele é a sophia teou, ou seja, é a “Sabedoria de Deus”, nem é simplesmente poderoso, mas é dínamis teou, o que significa em grego que ele é o “Poder de Deus”. Paulo de Tarso o via de três formas: Jesus é o Senhor por desígnio divino e também Senhor sobre toda a Humanidade, além é claro de ser chamado de “Meu Senhor”. Ainda para Paulo, Jesus é a prova da interferência de Deus na Humanidade, mas como judeu ele não pensava que o Nazareno era Deus.

Por outro lado, pensando como pagão grego, qual homem tem tanto poder que não possa ser visto como um semideus? Não há certa semelhança entre seus feitos e os sacrifícios de Ulisses em sua Odisseia? A divinização de Jesus, de início, ocorre por ele ter sido muito mal compreendido, como “O Senhor” de quem tanto Paulo falava. E assim o próprio Paulo confundiu os seus ouvintes mostrando que Cristo como “Senhor” tornou-se ao mesmo tempo servo e foi tão submisso que aceitou a pior morte, a da cruz.

Em seguida empreenderam esforços para enxertar frases e passagens que pudessem comprovar que Jesus era o Messias esperado, e para isto uma das tentativas foi também demonstrar que ele era um judeu descendente da linhagem de Davi. Os autores dos evangelhos de Lucas e Mateus, além de outros interesses, queriam ligar Jesus às figuras respeitadas do pai dos judeus, Abraão e do pai da Humanidade, Adão, para mandarem a seguinte mensagem aos judeus: “Viram? Ele tinha origem, mas vocês não o aceitaram e o mataram!”.

Foi durante o século IV que veio a oficialização em Niceia, por meio de um Concílio, em meio a tantos embates entre grupos de cristãos que divergiam acerca da natureza do corpo do Cristo. E todo aquele que proclamasse que Jesus era um homem, filho biológico de José e Maria ou que ele era um ser fluídico, ou que tinha sido adotado por Maria e José, ou simplesmente um homem tornado Deus, seria passado a fio de espada! E se decidiu desta forma o credo de Niceia:

“Filho unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai. Por ele todas as coisas foram feitas. Para nós e para nossa salvação, ele desceu dos céus: pelo poder do Espírito Santo, se encarnou no seio da Virgem Maria e se fez homem…”

Jesus tornado Deus

E segue o desastre…

Essa visão da divindade de Jesus chegou ao auge do absurdo teológico de umas décadas para cá, no Brasil, pela falta de uma visão crítico-histórica, e por que não dizer da ausência da razão? Baseada no evangelho atribuído a João, a crença de muitos, encontrada apenas em um texto de natureza espiritual,0 onde afirma-se que Jesus já existia até mesmo em espírito antes da formação da Terra, o elevou mais uma vez à categoria de um ser divino, muito distante da condição humana. E não para por aí! Inclusive, a crença disseminada afirma que ele teria ajudado na formação da massa da Terra, e foi praticamente o “guia turístico” na condução das almas que para aqui vieram em exílio. Depois disso, sem eleições diretas, o elegeram como Governador Espiritual do Planeta.

Esta crença tem ou não tem base no Catolicismo Paulino e Joanino?

No evangelho atribuído a João, a divinização foi completa e tornou-se mais um pilar na formação do corpo dogmático da Igreja. O Logos grego, ou o Cristo Cósmico de quem tanto os cristãos ultramodernos e exotéricos fazem referência, pertence, também, ao pensamento grego e pagão, como lemos neste trecho em João cap. 1: 1-3: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. No princípio, ele estava com Deus. Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi feito”. A divinização não para e mais à frente em João cap. 1:14: “E o verbo se fez carne e habitou entre nós.”

Ainda há dúvidas de que este texto quer passar a ideia de que o Verbo que cria é Deus e que Deus veio habitar entre os homens? Deus é um avatar nascido na Índia, por acaso? Ou quem sabe também poderia ser a personificação de Zeus em forma humana? Se houver dúvidas desta divinização talvez as frases atribuídas a Jesus revelem isto: “Eu e o Pai somos um!” (João, 10: 30) ou ainda, “quem vê a mim, vê ao Pai” (João, 14: 9), e outra bem ofensiva aos judeus, “Antes que Abraão existisse, Eu sou.”, (João, 8: 58)   e por aí vai… E o mais curioso é que estas frases não aparecem em Marcos, Lucas, nem em Mateus. 

Em 1715, na Biblioteca Britânica, um pesquisador de nome J.J. Wettstein, teve a feliz oportunidade de pesquisar em um manuscrito antigo, chamado de Códice Alexandrino, e observou algo curioso. O Códice traz uma passagem adulterada na carta de Paulo endereçada a Timóteo. O texto original em Timóteo cap. 3:16 está escrito assim: “quem foi manifestado na carne” e assim se refere a Cristo: “quem foi manifestado na carne”. Porém em várias traduções que apareceram na Idade Média não existe a palavra “quem”, mas apareceu o termo “Deus” e assim, no lugar de “Cristo”, surge “Deus tornado manifesto na carne”.

Em nossas pesquisas em Londres, refizemos o mesmo caminho do estudioso bíblico Wettstein com objetivo de compreender e divulgar melhor a adulteração em Timóteo. Quando ele examinou o Códice descobriu que haviam colocado um traço no topo desta letra teta θ, e como se vê o traço acima não faz parte dela, o que significa que um copista o colocou ali. Isto foi descoberto devido ao fato do traço revelar uma tinta diferente da que fora usada na letra. Já a linha no meio da letra θ apareceu porque um traço da página anterior vazou para o meio da letra na outra página. Portanto a letra com traço no meio seria uma abreviação para a palavra “Deus” acompanhada de um traço também no topo, mas no original, sem o traço, desta forma 0, significa apenas “quem”. E assim ao invés de termos a frase “Cristo quem foi manifestado na carne”, temos “Deus tornado manifesto na carne”.

Não há como negar que o Cristo dos cristãos nada mais é do que uma personificação dos deuses dos pagãos, agora, também, tornado Deus. Enquanto isso o homem chamado Jesus, que era um bom judeu praticante, não se viu nem como Messias nem se colocou como Deus. A quem, então, interessa mantê-lo como um deus?

E assim sendo se pode perguntar: ele fica perto ou longe daqueles que o buscam? E caso ele fique longe dos desesperados que o procuram, quem aparece como intermediário para levar as almas perdidas até ele? Pois ele é o Caminho, a Verdade e a Vida… Ou seja, o único e exclusivista “caminho” da salvação da Humanidade, a “verdade” da religião que foi fundada em seu nome e a “vida” no gozo eterno à direta de um pai que se tornou filho na carne…

Muitos não entendem que a visão de um historiador não é a de se debruçar na janela da Teologia. Tão pouco subestimar ou substituir os teólogos, mas sim examinar fatos, evidências, documentos que revelem o contexto em que até a própria Teologia foi fundamentada. Não se pode realizar pesquisas sérias na História ou na Arqueologia induzido por religiões ou doutrinas, a não ser que se queira continuar repetindo erros milenares… 

Loading