Anterior

ANA BOLENA – BRUXA, ADÚLTERA OU TRAIDORA?

Era alta madrugada. O nevoeiro cercava as águas tranquilas e ao mesmo tempo correntes do rio Tâmisa. As primeiras claridades se anunciavam, mas para uma mulher não. Seria sempre escuridão. Ela, assim como outros traidores, entrou pelo portão que recebera seus nomes: The Traitors’ Gate, “O Portão dos Traidores”.

Pela sua cabeça passavam as horas vividas na infância junto à família, lhe rendiam lágrimas contidas que não rolavam pela face, afinal ela era a rainha da Inglaterra. Como rainha não desejou ser decapitada por um capataz inglês, mas solicitou que Henrique VIII buscasse um francês, já que havia diferença entre ser decapitada por um machado e por uma espada. Pela espada a vítima morre de cabeça erguida e com o machado não. E assim ocorreu… Ela foi decapitada às 08:00 horas da manhã (IVES), na torre Branca, local de tortura e de horror.

ana bolena 2

Segundo Hibbert Christopher (1971), suas últimas palavras foram: “Bom povo cristão, vim aqui para morrer de acordo com a lei, e pela lei fui julgada para morrer, e por isso não vou falar nada contra ela. Não vim aqui para acusar ninguém, nem para falar de algo de que sou acusada e condenada a morrer, mas rezo a Deus para que salve o rei e que ele tenha um longo reinado sobre vós, pois nunca um príncipe tão misericordioso esteve lá. E para mim ele será sempre um bom, gentil e soberano senhor. E se qualquer pessoa ponha isso em causa, obriga-la-ei a julgar os melhores. E assim deixo o mundo e todos vós, e sinceramente desejo que todos rezem por mim. Ó Senhor, tem misericórdia de mim, eu louvo a Deus a minha alma”.

Perguntava-se vez ou outra como poderia ter chegado até ali arrancada dos aposentos como uma meretriz. Logo ela apoiadora do movimento reformista, confidente conselheira de Henrique, que fora a responsável pelos seus conciliábulos em afastar de vez a sombra do Papa Clemente VII e iniciar a fundação da Igreja Anglicana da Inglaterra.

Enganam-se aqueles que pensam que foi tudo por amor. A divisão de riquezas, a concessão de terras e a conferência de títulos da nobreza aos que apoiassem o rei e a rainha estavam em jogo. Ana não queria ser amante de Henrique VIII como fora Maria, sua irmã. Anne de Nan, como era chamada entre os mais íntimos, queria a separação do rei de sua atual esposa Catarina de Aragão a qualquer custo, e entre os motivos estava, também, a Revolução Puritana, tendo como aliado Thomas Cromwell e que depois se tornou um dos responsáveis pelas suas acusações (IVES, 2004). Ana era muito bem educada e política. Conhecia a fundo relações internacionais.

Enquanto ela não havia tido vários abortos e não conseguira dar um herdeiro ao rei, tudo estava tranquilo, mas depois disso passou a ser vigiada na intimidade do palácio e a receber maus tratos de Henrique, que sempre a tratou com todo o carinho e realizou seus desejos. Porém, segundo Scarisbrick (1972), ele estava de fato desejoso em se desfazer dela a todo custo.

Seu carisma na corte não era igual ao de sua antecessora Catarina de Aragão, conhecida por muitos como a “Generosa” por ajudar os pobres. Em defesa de Catarina cerca de oito mil pessoas, em Londres, marcharam gritando seu nome. Catarina de Aragão era a rainha do povo e morreu no exílio. Ao contrário, as acusações que pesavam sobre Ana eram muitas: alta traição, incesto com o irmão Jorge e traições conjugais com mais de cinco homens. Porém nada disso ficou totalmente provado. Sem falar das acusações de bruxaria por ser pega lendo livros proibidos às escondidas.

ana bolena 3

Em verdade, Ana era cara. Valiosa em todos os sentidos. Fora educada na Áustria e depois se transferira para ser uma das aias na França, da rainha Claudia Devalois, esposa de Francisco I. Assim estava altamente qualificada para lidar com as questões da corte e da política externa, enfim uma mulher poderosa que fez Henrique VIII amá-la ao ponto de cometer a loucura de enfrentar a Igreja, solicitando a separação de Catarina sob a alegação de que sua esposa, como fora esposa de seu irmão morto, deveria ter contraído núpcias com o falecido e isso deixava seu casamento inválido e amaldiçoado, por isso mesmo incapaz de ele receber a graça da paternidade. Mesmo diante da palavra de Catarina e das testemunhas, Henrique VIII recusava-se em acreditar, buscando tempos depois uma união com Ana, o que lhe fora negada.

Ana não pode lhe dar os filhos que ele tanto almejava. Três morreram no nascimento. O Henrique ainda viveu por sete semanas. E em nome desse amor deixara sua esposa estéril, entregue à morte, acusada de traição, e, nesse aspecto, porque não pudera lhe oferecer um herdeiro.

Um dia logo após o assassinato de Anne, Joana Saymour, que já vivia nos aposentos reais como dama de companhia da rainha, ficou noiva de Henrique VIII e dez dias depois casou-se com ele. Seu filho nasceu, o jovem príncipe Eduardo, porém sua mãe morreu de infecção após o parto.

De fato, as acusações sobre Ana Bolena foram todas reais? Outro mistério foi a queda sofrida por Anne após seu último aborto, justo no momento em que ela era acusada de bruxaria, traição e incesto.

A torre branca ainda hoje é visitada às margens do rio Tâmisa, e o local guarda os instrumentos de tortura. Como se não fosse suficiente, por já se tratar de um ambiente de desolamento e de dor, os ingleses recriaram sonoplastia de gritos, gemidos, chicotadas das centenas de pessoas que ali sofreram sob as ordens de Henrique VIII e da Igreja.

FOTOS: LISZT RANGEL

BIBLIOGRAFIA:
• Ives, Eric. The Life and Death of Anne Boleyn. Londres: Blackwell, 2004.
• Scarisbrick, J.J. Henry VIII. California: University California Press, 1972.
• Hibbert, Christopher. Tower Of London: A History of England From the Norman Conquest. (1971)

Loading