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Sexo em Pompeia – do poder do falo ao lupanar

Quem já visitou o sul da Itália ou leu em algum livro, ou assistiu documentários, deve ter conhecido ou ouvido falar de Nápoles, Capri, Herculano e a famosa Pompeia.

Esta, mais uma vez, recentemente, inspirou um roteiro cinematográfico, “Pompeia”. O filme não é nem uma obra prima, mas tem seus méritos por trazer à tona um importante acontecimento da história da Humanidade. Basicamente ele narra um ardoroso romance entre um escravo celta e a filha de uma família aristocrata. O Vesúvio e a tragédia ocorrida na região também recebem atenção, enquanto a narrativa central, num misto de amor e vingança, se desenrola.

Pompeia sexo

A vida quotidiana da cidade é apresentada, aqui e ali, por meio de suas ruas movimentadas e também não ficou de fora, mesmo com rápidas cenas, a bela arquitetura de suas casas, o formato das ruas com o comércio dos pequenos restaurantes e das padarias. As famosas batalhas dos gladiadores também recebeu enfoque, afinal de contas qual província romana que privaria o povo desses espetáculos? Mesmo sem apresentar os famosos lupanares, o filme mostrou um pouco a adoração em torno do gladiador como objeto sexual. Vistos como homens viris, serviam como atrativos sexuais para mulheres ricas de Pompeia que os escolhiam como objetos expostos para uma noite de prazer.

A vida sexual de Pompeia, e que não é apresentada no filme, não difere muito das demais localidades do império romano, mas talvez o enaltecimento que se tenha dado por parte dos turistas de uma Pompeia devassa se dê pelos achados arqueológicos na cidade, até porque sexo é sexo e é praticado por todos os povos. Para tanto, basta lançar um olhar sobre outros lugares famosos pelo atrativo sexual e logo se verá que Pompeia fica bem atrás de algumas cidades na Índia, no Japão e na Tailândia que realizam festivais em comemoração ao pênis, possuem templos onde ele é adorado e cultuado não apenas como símbolo de poder, mas também como exaltação à vida sexual, sem deixar de citar, é claro, o famoso Kama Sutra.

Puritanismos* à parte, talvez a perspectiva ocidental também esteja impregnada pela conceituação cristã que sempre associa o sexo ao pecado e à perda do Paraíso e da felicidade eterna. Se bem que nesta relação pecado versus salvação não se sabe quem foi mais pecador, a família dos Bórgias que inundou a Igreja Católica de corrupção, perversões sexuais e luxúria nos séculos XV e XVI ou se Messalina, esposa do imperador Cláudio (41-54 d.C), por ter feito sexo durante um dia e uma noite com 25 homens, quando então se dispôs a derrotar em uma orgia sexual a maior prostituta de Roma. E a derrotou! (PLÍNIO, História Natural, 10.172).

Dentro dos achados arqueológicos em Pompeia, o que mais atrai a curiosidade da gente alegre e festeira de diversos cantos do mundo, realmente, é o sexo. A atração por este tema é tão intensa e sedutora que fez você mesmo, caro leitor, que agora devora este artigo, criar talvez, uma imensa expectativa do que virá linha após linha. Mas não se iluda, pois este objeto de estudo diante de seus olhos, trará como finalidade maior, demonstrar a visão romana acerca do falo, mesmo observado na representação do pênis e sabendo que quando se trata de sexo, tudo é possível, até a área das perversões sexuais, estudada por Sigmund Freud. Todavia, o capítulo das perversões terá espaço em uma outra abordagem.

Falo em Pompeia

No início do século XIX uma placa considerada obscena pelo governo italiano, e juntamente com outros objetos fálicos, foi posta sob sigilo no “Gabinete de Objetos Obscenos” do Museu de Arqueologia de Nápoles. A referida placa, que se encontra ao lado, foi encontrada sobre o forno de uma padaria e traz a inscrição em latim “A felicidade mora aqui”. Era usada para afastar os maus espíritos do estabelecimento comercial. 

Parece uma piada, mas não é! E a ironia é maior ainda quando há poucos anos este acervo pertencente aos achados arqueológicos das escavações, em Pompeia e na região, veio a público justamente durante a última gestão (2008-2011), do primeiro ministro italiano Silvio Berluscone envolvido em corrupção e escândalos sexuais. Será que foi coincidência ou obra do acaso?

O que se deve entender aqui em uma análise histórica, e por que não até em uma perspectiva da própria Psicanálise? É que o falo não deve ser confundido ou simplesmente reduzido ao órgão genital masculino, mas ele está, sim, associado a toda uma relação simbólica. E poder não é o que se busca nos dias atuais? Quantas mulheres não ocupam esse lugar do falo? Quem já não ouviu falar na mulher fálica? Então a questão não está vinculada ao órgão masculino, mas à postura daquela que tem de fato o falo, observada facilmente esta representação em algumas famílias.Deixando de lado Berluscone e voltando então para Freud, que sem dúvidas é mais chocante, porém mais instrutivo no que diz respeito à questão do pênis e da vagina, ele revisou por várias vezes suas teorias acerca da sexualidade feminina e masculina, e apesar de considerar o assunto por demais complexo e que não poderia dar a palavra final, dirigiu sua análise para algo além das diferenças entre as formas anatômicas. Mostrou com isso a ligação entre poder e castração relacionados à menina e ao menino. Na linha deste pensamento, chegou a dizer que as mulheres invejam os homens por não terem o pênis e também analisou a relação do ódio da filha para com a figura materna. “Observa-se com facilidade que as meninas compartilham plenamente a opinião que seus irmãos têm do pênis. Elas desenvolvem um vivo interesse por essa parte do corpo masculino, interesse que é logo seguido pela inveja” (Freud, 1976, [1908], p. 221).

No caso de Pompeia as fachadas das casas, o calçamento das ruas, a intimidade dos estabelecimentos comerciais, como as padarias, possuíam imagens de pênis algumas vezes desenhado, outras em relevo na parede, no chão ou até em forma de sino dos ventos, com asas, para decorar e trazer oportunidade de enriquecimento. Outra referência ao falo vem com a imagem do deus Príapo que com seu enorme pênis ereto tinha sua imagem colocada em meio às plantações ao lado de frases nada agradáveis, carregadas de ameaças do que o deus iria fazer com os meninos e as meninas que tentassem roubar as frutas.

Verifica-se assim que o falo (pênis simbólico) carrega outros significados, ou seja, não se trata apenas de “poder” relacionado à virilidade masculina, mas de algo ligado à ambição, ao privilégio de receber a sorte sem deixar de citar que para o pensamento da época o falo teria o poder de afastar até os maus espíritos.

Pompeia cama

Porém seria inocência negar que Pompeia respirava sexo. No dia da erupção do vulcão Vesúvio, 24 de agosto de 79, a cidade tinha entre 10 e 15 mil habitantes (FUNARI, 2003) e 25 prostíbulos, os conhecidos lupanares.

Lupanar é uma expressão que vem do latim e significa “covil de lobas”. O mais interessante deles fica na ruela do Lupanar, localizado bem de esquina num cruzamento entre duas ruas secundárias. Ele possuía dez alcovas que se distribuíam entre o piso térreo e o primeiro andar. Pelos grafites encontrados nos prostíbulo, e que sobreviveram até hoje, vê-se pela escrita que a clientela era bem diversificada. A estrutura do local também ajuda a identificar a classe social dos frequentadores. Os andares de cima tinham camas melhores e mais espaçosas e eram para clientes ricos e as do piso inferior eram apertadas e mais expostas. A cama era feita de cimento e recebia um saco com preenchimento nada muito higiênico, e ali eram espalhadas algumas almofadas. As paredes retratavam cenas de sexo como se fossem propagandas do que as mulheres ali vendiam aos que procuravam prazer.

Portanto, Pompeia não é bem aquilo que a nossa imaginação elabora, tão pouco o que o cinema retrata. Pompeia foi uma província romana que não pode ser vista como uma Dubai dos tempos modernos, muito menos uma Sodoma bíblica e que foi construída apenas para que os pagãos curtissem suas férias.

A província enfrentava sérias questões sociais e econômicas e refletia uma realidade bem difícil, mas isto já faz parte de outra história…

* Puritanismo – Segundo o dicionário histórico de religiões, foi um movimento religioso que surgiu na Inglaterra no reinado de Elisabete I. Depois, ao longo do século XVII, com a formação da América, muitos puritanos desembarcaram nos EUA com o objetivo, segundo eles, de ajudar na formação moral daquele país. Os chamados “pais peregrinos” fundaram a colônia de Plymouth e com a presença deles o estado de Massachusetts tornou-se teocrático e puritano. Eles viviam sob o regime da intolerância e os ditos “santos” da Igreja, além de levarem uma vida isolada, respondiam até pelos direitos políticos.

** FOTOS – LISZT RANGEL

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
FREUD, Sigmund (1976). Sobre as Teorias Sexuais das Crianças. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., vol 9, p. 211-230). Rio de Janeiro. Imago (trabalho original publicado em 1908).

FUNARI, Pedro Paulo. A Vida Quotidiana na Roma Antiga. São Paulo: Annablume Editora, 2003.

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