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JESUS TEVE PRIMO? QUEM LHE ENSINOU ISSO?

Atualmente muitos são os investimentos por parte de vários institutos que contam com pesquisadores dedicados a encontrar a família desaparecida de Jesus.  As citações acerca dos parentes do nazareno são poucas, mas sabe-se, pelo estudo da sociedade à época, que apesar da mão de obra de trabalhadores livres ser facilmente encontrada nas praças das pequenas aldeias e burgos (DUQUESNE, 2005) as mulheres geravam muitos filhos e filhas e estes terminavam por ajudar nas atividades do pastoreio, da pesca, do plantio, da colheita e da construção civil.

Nas passagens dos evangelhos atribuídos a Marcos (6: 3) e a Mateus (13: 55), apesar de não possuírem originalidade tanto quanto os demais, encontram-se fontes para conhecermos, inclusive, os nomes dos irmãos de Jesus. Este tema também está presente em outro texto, uma das cartas dirigida aos Gálatas, 1: 18-19, que leva a assinatura do Sr. Paulo de Tarso, colocando Tiago como “irmão do senhor”.

Para a Teologia Cristã não é interessante que o Cristo da Fé, nascido de uma virgem, e que subiu aos céus com corpo e tudo, venha a ter irmãos. Esta é uma forte divergência entre protestantes e católicos, pois os primeiros não aceitam a virgindade perpétua de Maria. Graças a este dogma, o da virgindade perpétua de Maria, foi que São Jerônimo, um dos responsáveis por alterações nos evangelhos, substituiu a expressão “irmãos” por “primos”.

Entretanto em pesquisas, que realizei em Israel acerca de comunidades do cristianismo primitivo, pude constatar, na comparação com citações de antigos autores, que esta crença surgiu por volta do século II d.C. Esse dogma sustentado pela Igreja tem como base o Proto-Evangelho de Tiago. Nele, os pais da Igreja, incluindo Orígenes, se apoiam para colocar os irmãos de Jesus como meios-irmãos por parte de pai, posto que José, segundo esta tradição, já vinha com vários filhos de um casamento anterior e era viúvo.

De acordo com a narrativa bíblica, em Lucas 1: 36, Maria tinha uma “parenta” de nome Isabel, e depois, mais uma vez, a Igreja resolveu dizer que ela era prima de Maria. Bem, o texto não fala se era prima, mas diz que Isabel à semelhança de Sara, mulher de Abraão, o pai dos hebreus, era estéril e já estava em idade bastante avançada. O marido de Isabel, já um ancião, foi visitado por Gabriel.

Com esta visita o “anjo Gabriel” revelou a Zacarias que ele seria pai. Como Zacarias teria duvidado, da mesma forma que Sara também duvidou da sua gravidez, o anjo, que era um “anjo de pessoa”, perdeu a paciência com Zacarias e o amaldiçoou, deixando o pobre do velhinho mudo até o dia do nascimento da criança.

A criança recebeu o nome de Iohanân, ou como a conhecem os cristãos ocidentais João, o Batista. 

O sentido mais próximo seria chamá-lo de João, “o imersor” ou “o que mergulha”, pois, segundo os evangelhos, ele mergulhava os judeus nas águas do rio Jordão. O batismo cristão é um arranjo posterior e isto é perfeitamente possível de se observar nos últimos versículos do evangelho atribuído a Marcos 16: 9-21, no qual se encontra que Jesus é apresentado como um padre ordenando que seus discípulos batizem e quem não aceitar o batismo feito por seus missionários será condenado. (RANGEL, 2009).

Outro ponto não menos irritante aos cristãos no batismo é o da purificação da alma. Neste caso, o batismo serve para sustentar a relação com a limpeza das almas do pecado original, ou seja, o ato sexual repetido por papai e mamãe que possibilitou a concepção. Graças ao sexo que fizeram, segundo o Cristianismo, contaminaram a alma pura da criança que foi criada por Deus na mesma hora em que o corpo foi produzido. Mas antes disso o motivo do batismo se estende à fidelização daqueles pagãos que se desejassem a salvação, teriam que dar uma passadinha na Igreja antes de irem para o Céu.

O cristianismo e os cristãos creem na unicidade da existência da alma e não nas múltiplas existências, conforme difundiram e acreditaram pensadores antigos como Platão e Sócrates. A Igreja, inicialmente, se apropria das ideias de Platão, por isso os conflitos comuns encontrados em textos de Santo Agostinho quanto ao assunto ou à postura em defesa da palingenesia por parte de outros pais da Igreja, até mesmo Orígenes, que teve seus escritos proibidos de serem lidos e depois foram queimados.

O ritual dos mergulhos era um simbolismo de purificação, muito comum nas civilizações mais antigas. Entre os judeus destacam-se os essênios que adoravam o ritual dos banhos com a intenção de obter a pureza. (RANGEL, 2013).

Nos dias de hoje, João seria visto como um lunático. Imagine um homem de pé, à margem do rio Capibaribe ou do São Francisco, ou quem sabe na lagoa Rodrigo de Freitas, vestido de pele de animal, com uma tira de couro amarrada em sua cintura, empurrando a cabeça das pessoas na água e gritando: “arrependei-vos!”. Não teriam dúvidas de pedir, no mínimo, que ele fosse frequentar um CAPS (Centro de Atenção Psicossocial).

Porém, para a conjuntura social daquele momento, João era, entre tantos que se multiplicavam naquela região, um dos que se posicionava como profeta. Todavia, segundo os autores e os copistas dos evangelhos, ele seria o antecessor do Messias. Sobre esta questão, já bem definida entre os estudiosos, a definição de Messias variou, segundo as circunstâncias experimentadas pelo povo judeu (KNOHL, 2001).

Em verdade, João Batista, bem como tantos outros naquela época, poderia até ser considerado o próprio Messias, haja vista a presença do discurso político, religioso, crítico e diferenciado, que o colocou em posição de aceitação social e fez com que o povo logo fosse envolvido por seu carisma. Trazia, também, os dons proféticos necessários a fim de atrair a atenção das pessoas, e é claro não se pode deixar de fora a sua mensagem essencialmente escatológica e messiânica, profundamente irritante para os poderosos e ameaçadora para os corruptos.

A maneira de se vestir, conforme as narrativas, semelhante à de Eliyahou (Elias), a alimentação à base de gafanhotos, inseto rico em vitaminas e até hoje preferido por muitos árabes, sua postura asceta e os rituais de banho fazem com que o confundamos com um essênio, mas o seu destaque é no verbo quente, um tanto urgente e livre.

O encontro dele com Jesus, provavelmente, não se deu pela primeira vez no rio Jordão. Nem no meio teológico há segurança que ele teria ocorrido conforme ali está narrado. Ao que tudo indica, quando analisado e comparado o discurso de João com o de Jesus, bem como o estilo de vida simples, muitos estudiosos defendem a tese de que Jesus já deveria fazer parte do grupo do “imersor” João. Além do que João era conhecido e Jesus se referiu a ele com profunda intimidade em vários momentos.

Já o São João que conhecemos, e que comemoramos em nossa cultura, não tem qualquer relação com o filho de Isabel e Zacarias. Não há registro bíblico da historinha da fogueira, muito menos de que ele vive dormindo. A fogueira sempre foi usada por antigos povos pagãos como os egípcios, os celtas e sumérios para a comemoração do solstício de verão que ocorria entre 21 e 22 de junho. Neste período, o dia era mais longo e a noite mais curta, então, de acordo com os estudos feitos sobre a cultura destas civilizações, havia ritos e danças para estimular a fertilização da terra, com fins de garantir uma melhor colheita. Também entre os romanos, como eles observavam que a noite era menor, nasceu a crença de que aquele era o dia de pouca influência dos demônios. Assim acendiam fogueiras e produziam bonecas de milho em homenagem à deusa Juno. Com isso as bonecas do ano anterior eram queimadas e novas bonecas eram feitas.

Como sempre, a religião com seus mitos esconde mais verdades do que possa conceber a própria História. Porém há uma verdade além do mito e que se encontra no homem fascinante que foi João, “o imersor”: o seu grande desejo de transformar a realidade social em que vivia. A sua crença no Homem e em sua possibilidade de reavaliar a  trajetória, abandonando os atalhos, a fim de regressar à sua essência por meio da pedra de toque: a base da filosofia judaica que é o Teshuvà. (SAMSON;FISHMAN, 1999).

Teshuvá implica dizer “arrependimento”, mas não é aquele da “boca para fora”, nem o professado e praticado pela Igreja Católica. Em especial, por meio da extrema unção, quando no leito de morte, qualquer um paga o preço necessário para ir ao Paraíso e então se diz arrependido. Também este Teshuvà nada tem em comum com aquele discurso “eu me arrependo, mas entenda que a carne é fraca…” Não, também não é este. Muito menos tem relação com o ensinado pelo Protestantismo, que depois que o Homem comete todas as atrocidades no mundo aceita Jesus e este, como se fosse uma borracha que apaga vestígios dos delinquentes, os liberta da culpa e da fogueira eterna do Inferno. Esta filosofia judaica é muito mais profunda, pois convida a um retorno, a uma volta àquele ponto onde o ser humano perdeu-se em sua essência, propicia uma reflexão sobre as atitudes impensadas, leva à meditação e ao arrependimento sincero.

Talvez não haja mais bela definição acerca de Iohanân do que a poesia que saiu da boca de seu “primo” Jesus, registrada em Mateus 11: 7,9:

“Saístes para contemplar o que no deserto? Um caniço pelo vento agitado?
Mas saístes para ver o quê? Um homem vestido com roupas delicadas?
Mas aqueles que vivem em roupa suntuosa e no luxo estão na corte.
Mas saístes para ver o quê? Um inspirado?
Certamente! eu vos digo, e mais do que um inspirado!”BIBLIOGRAFIA
Bíblia de Jerusalém, São Paulo: Paulus, 2002.DUQUESNE, J. Jesus – A verdadeira história. São Paulo: Semente, 2005.KNOHL, I. O Messias antes de Jesus. Rio de Janeiro: Editora Imago, 2001.RANGEL, L. Arqueologia dos Evangelhos. Recife: Editora Serapeum, 2009.________, L. Jesus Além da Crença. Recife: Editora Serapeum, 2013.SANSON, L. ; FISHMAN, T. A Arte da Teshuvá. São Paulo: Editora e Livraria Sêfer, 2004.

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