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VOCÊ TEM NECESSIDADE DE QUÊ?

Os que viveram a década de 80 devem lembrar, certamente, da famosa música dos Titãs “Comida”.
A letra diz assim: “Bebida é água! Comida é pasto! Você tem sede de quê? Você tem fome de quê? A gente não quer só comida, a gente quer comida diversão e arte; a gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer parte…“. Pois bem, o hit agitou a “galera”, mas mandou um recado em forma de pergunta: de que, realmente, você tem necessidade?

Em 2013 uma instituição não governamental nos Estados Unidos publicou uma pesquisa interessante após entrevistar as pessoas em diferentes estados. Os dados revelaram que de cada dez coisas que os cidadãos possuem, na verdade só necessitam de quatro.

Observa-se, por exemplo, o desenvolvimento da espécie humana desde o Homem de Neandertal, para o qual a ingestão excessiva de gordura tinha uma finalidade: preservar a espécie, ajudar na sobrevivência durante os períodos de inverno. Neste período, onde a caça ficava mais rara e de alguma forma os alimentos não eram produzidos pela natureza, o Homem tinha que se preparar para a necessidade. E hoje já temos necessidade de ingerirmos tanta comida assim para nos mantermos vivos quando o inverno chegar? Pelo contrário, a comida em excesso, e levando em conta a sua qualidade, tornou-se um dos maiores ladrões da saúde.

Abraham Maslow observou os indivíduos e suas necessidades. Ele as chamou de necessidades básicas e as dividiu em grupos escalonados em forma de pirâmide. A de comer, a de dormir, a de fazer sexo, a de beber água, e outras ele as denominou de necessidades fisiológicas. “É inteiramente verdadeiro que o Homem vive apenas de pão quando não há pão. Mas o que acontece com os desejos do Homem quando há muito pão e sua barriga está cronicamente cheia?” (MASLOW, 1970). Maslow percebeu que para se galgar outros níveis que ele chamou de necessidades “superiores”, é preciso ter as primeiras satisfeitas.

Para Maslow fica muito difícil falarmos em ética, honestidade e justiça para quem não tem suas necessidades fisiológicas satisfeitas e pedir a esta sociedade que não vá para as ruas reclamar, nem fazer protesto. Muito menos esperar que tenhamos segurança social quando os próprios “bandidos” estão mais bem equipados e organizados do que aqueles que deveriam manter a segurança nas ruas. Ainda para o estudioso, o nível de reclamações e até a forma como uma sociedade reivindica suas necessidades, vai às ruas reclamar, reflete os valores da mesma.

Por outro lado, Maslow reflete acerca do momento em que a sociedade está demasiadamente absurdamente farta, ou, como ele chama, “enfadonha”, por ter vivido apenas da satisfação das necessidades tidas como “inferiores”. Países como a Dinamarca, a Noruega, a Suíça e o Japão registram altos índices de suicídio. E isto refletiria a chegada ao topo da pirâmide? O lugar em que os indivíduos se encontram satisfeitos seria motivador para alguém perder a vontade de viver? Não, não é isso!!! Para Maslow a tendência é que o Homem vá crescendo em seus anseios, aprimorando suas necessidades, mudando essencialmente seus valores e, assim, ele continua se satisfazendo, ou como diria Maslow, se auto-atualizando.

Após as necessidades fisiológicas, o Homem busca a de Segurança que lhe trará a estabilidade. Os altos índices de depressão, estresse pós-traumático, transtorno do pânico, transtorno de ansiedade generalizada têm também como causa a instabilidade social e as relações interpessoais, afinal de contas nos marcamos e na maioria das vezes estas marcas trazem traumas profundos, como se verifica no convívio em família. Para tanto resolvemos trocar nossa liberdade pela segurança em automóveis blindados, com alarmes, vidros elétricos, travas automáticas, sem se esquecer dos muros com cerca elétrica das residências e a vida isolada dos grandes condomínios. Já não se sai mais para ir às compras, as solicitamos em casa. O sociólogo Zygmunt Bauman, em seus tratados sociológicos, esclarece que trocamos a liberdade pela segurança, mas agora sufocados por tanta segurança, ou seja, “enfadados”, já não somos mais felizes, justamente por termos nos afastado de algo indissociável: a nossa natureza.

Sobre a natureza humana, Alfred Adler, psicólogo, também se aprofundou nestes estudos quando se referiu à perda de nossa liberdade ao nos afastarmos de nossa natureza. Em sua perspectiva, o mais curioso de tudo é que quanto mais vivemos com o outro mais somos independentes e livres. Todavia, frequentemente, pensamos o contrário. E ainda há quem pense que há liberdade e felicidade apenas para si. Sobre isto Cazuza, o poeta da música brasileira, escreveu que “As possibilidades de felicidade são egoístas, meu amor!!! Viver a liberdade, amar de verdade, só se for a dois!”

Em seguida Maslow observou que o Homem parte para satisfazer a necessidade do amor, buscando família e amizade. Ele não se refere ao amor idealizado, pois este, por ser inacessível, não satisfaz, frustra. O amor como algo que mobilize a saída de si em direção a alguém e desdobrando-se até mesmo a uma causa. Neste sentido, Leonardo Da Vinci, Einstein, Jesus e Sócrates foram grandes amantes. Amantes da Arte, da Ciência, da Filosofia, do Homem e de sua Humanidade…

Avançando em sua caminhada, a sociedade chegará a usufruir de necessidades que estão nos pontos mais altos da pirâmide, a da autoestima e a da auto-atualização. Respeitando-se já não se corrompe e a consciência acusa sua conduta por meio da aprovação. Compreende que o que faz ao outro tem diretas consequências sobre seu bem ou mal estar. O respeito por si mesmo eleva sua autoestima, pois reflete a lucidez de suas escolhas. O poder agora está com ele (indivíduo) e não pelo que dizem sobre o que ou quem ele é.

No tocante à auto-atualização, o Homem examina sua capacidade e se realiza ao invés de se colocar como um eterno pecador, como apregoa o Cristianismo. A sua inspiração não se encontra num mito de sofrimento a ser copiado, nem ele irá se realizar na postura de hipocondríaco, chamando atenção para sua dor, como se fosse um mártir da autoflagelação. Só a auto-realização, momento em que o indivíduo se conhece, pode oferecer-lhe a satisfação ainda que distante da tão sonhada e ilusória plenitude. Esta auto-realização, muitas vezes, custa-lhe o preço de uma viagem dolorosa inicialmente, mas realiza-a quando em contato com sua natureza profunda.

O indivíduo auto-realizado é o oposto daquele que evoca e vive o complexo de Jonas. Jonas foi aquele da Bíblia que preferiu fugir ao compromisso de ser um profeta com suas responsabilidades e capacidades.
Quantos Jonas, portanto, existem que não desejam assumir seus compromissos perante si mesmos, para com o próximo nem para com a sociedade? E assim evitam o contato com seu potencial, com suas capacidades, sabotam a si mesmos e, desta forma, fogem das responsabilidades de uma transformação não apenas interior, mas também não contribuem para uma renovação social.

BIBLIOGRAFIA

Maslow,A. Motivation and Personality. Ed. rev. New York: Harper and Row, 1970.

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