PERVERSO – CONHECE ALGUM?
A expressão latina perversione implica em tornar-se perverso, ter atitudes pervertidas. Até o século XIX, a sexologia havia usado o termo no sentido de desvio sexual (FERRAZ, 2000). Freud, inicialmente, via a perversão como algo sexualmente fantasioso ligado à fase pré-genital e que se encontrava recalcado. Havia feito, também, a relação entre a perversão e os desvios na área sexual (FREUD,1996). Mas, ainda assim, pouco falou sobre perversão na clínica.
Porém ao reconsiderar suas observações em torno da sexualidade se viu impulsionado a elaborar outras análises. Todavia, bem antes de Freud, a palavra “perversão” foi usada em 1444, com a finalidade de expressar reverter e foi facilmente associada à ideia do que é “deplorável”. Não se discorda, entretanto, que as concepções do que é uma anomalia ou uma aberração sexual foram acolhidas pela Psiquiatria.
Há diferenças entre uma estrutura perversa e manifestações perversas. Entretanto todos os especialistas são unânimes no que diz respeito ao adoecer psíquico quando se trata da perversão. A perversidade a ser examinada neste artigo está relacionada à estrutura, em especial, quando houver relação com perversão em casos de narcisismo maligno, ou uma perversão combinada com distúrbio narcísico da personalidade (KERNBERG, 1995).
As manifestações perversas, de qualquer forma, constituem uma psicopatologia identificada desde as atitudes mais simples aos comportamentos mais degenerativos da personalidade. Perverte-se uma palavra, utilizando-a em outro sentido. Perverte-se a imagem do outro, difamando-o. Perverte-se no corpo que é lugar de gozo. Perverte-se na função pública, corrompendo-a. Perverte-se na finalidade da inteligência, em seu mau uso. Perverte-se na administração do dinheiro e do mundo material, através do apego. Os sádicos e os masoquistas fazem a combinação perfeita, e ambos trocam de lugar, a partir do momento em que um se ver no lugar do outro, na condição de ter o poder de permitir e dar prazer.
Há perversos famosos, como os imperadores romanos. Tibério, Calígula, Nero, Cláudio e sua esposa Messalina, a famosa rainha Teodora e tantos outros, são personalidades marcantes, facilmente encontradas nas páginas da História. Mas, também, perverso pode ser você, que agora lê, seu filho, sua namorada, ou eles podem ter pelo menos manifestações perversas.
O imperador romano Tibério, que fora adotado por Otávio Augusto, por exemplo, tinha o hábito de veranear ao sul da Itália, em Capri. Lá costumava deixar bebês famintos e durante seu banho, nas termas, as crianças eram conduzidas para mamar na genitália do Imperador e assim, embaixo d’água, ou sob o lençol da água, ele sentia prazer nas mordidas e na sucção dos bebês. Agora se sabe porque Calígula foi tão perverso, pois adotado por Tibério não escapou do olhar do tio, que o iniciou em várias práticas desta ordem.
Calígula, muito provavelmente, tenha sido o mais perverso e visível ficou sua loucura com o passar dos tempos, sendo temido por todos. Atitudes como colocar o seu cavalo à mesa do jantar na frente de seus convidados, em especial senadores romanos, já se trataria por demais de um insulto. E quando questionado o porquê da presença do animal respondeu que se o senado tinha direito, o cavalo tinha muito mais. E assim Incitatus foi feito senador.
A sede de sangue no rapaz que durante 1400 dias governou Roma, espalhando o terror, deixou todos que o cercavam assustados, porém ninguém ainda tinha coragem de por fim a sua vida. Calígula era afeito às artes e não raro atirava-se de seu aconchego real no anfiteatro para o palco, expulsando de cena o ator principal, assumindo para si o olhar de todos. Esta e outras posturas como a própria consagração de sua imagem como um deus vivo refletem seu narcisismo primário, profundamente caracterizado por um amor infantil e egoísta, além, é claro, de aproximá-lo mais de um quadro de estrutura perversa.
Mães e pais perversos podem deixar, no mundo, filhos e filhas perversas.
Nero talvez tenha recebido a maior fama de perverso e facilmente se explica. Há um problema muito comum nas biografias desses imperadores, pois Suetónio (2007), por exemplo, possui, em certos momentos, visão distinta da que tem Tácito, ou Dião Cássio. Baseados nestas contradições, alguns historiadores modernos chegam mesmo a afirmar que muito da biografia de Nero deve ter pertencido a outros imperadores, mas como Nero, de fato, conseguiu ser o mais famoso, passou a receber, portanto, maior culpabilidade de vários desatinos.
Quando se fala no pobre Nero, apesar de seu gênio administrativo, conforme asseveram alguns (Suetónio, 2007), por trás de sua figura encontra-se sua mãe, outra perversa. Acostumada às perversidades sexuais e ao poder da dominação, Agripina fora acusada de manter relações incestuosas com seu irmão, Calígula. A mãe de Nero fizera de tudo para que seu único filho se tornasse imperador, chegando mesmo ao ponto de assassinar seu esposo Cláudio com quem se casara e que adotara Nero, sob sua pressão, após ela ter mando para o exílio Messalina, a esposa do Imperador.
A perversão de Agripina serve como um espelho de inspiração para seu filho. Considerado um tanto fraco e acovardado, o rapaz se dava apenas à admiração das artes, da literatura, da música, do teatro, e se achava um artista. Era também admirador de jovens rapazes, ainda que casado com Popeia. Mais tarde sua esposa, que tanto o apoiava, fora sua vítima. Enquanto grávida, ele lhe deu tantos ponta pés que a levou à morte. Buscando uma atitude conceituada como desmentido (Verleugnung), ou seja, negando a realidade, mandou castrar um jovem e o vestiu tal qual a esposa e o chamava, também, de Popeia.
O perverso criado por Agripina se voltou depois contra ela. Enquanto sua genitora estava morta por suas ordens, tendo o ventre transpassado por uma espada de um de seus pretorianos, Nero, ao chegar ao leito de Agripina, observou, atentamente, a cena e chegou a elogiar a mãe, a quem por várias vezes tentou matar sem sucesso.
Enquanto isso bebia um cálice de vinho, sentado ao lado da mãe, e encantado com os seios dela à mostra.
Já Messalina, a esposa do imperador Cláudio, é conhecida pelas suas perversões sexuais. Certa feita, ela apostou com a mais famosa prostituta de Roma. Desafiou a meretriz para ver qual delas teria um maior número de relações sexuais em uma noite apenas. Messalina, usando disfarce para não ser reconhecida, ganhou a aposta! A tradição conta mais de trinta homens e ao ser questionada se estava satisfeita afirmou: “Estou apenas cansada!”
Outra perversa foi a rainha Teodora, esposa de Justiniano. Não era uma prostituta conforme ainda teimam em divulgar. Ela era mesmo perversa na área sexual. Costumava colocar grãos de cereais na entrada da vagina e, ao abrir as pernas permitia, sob o olhar atento da plateia excitada, que gansos, que apareciam de repente no salão, comessem os grãos. E assim, ela fluía em prazer a cada beliscada aguda.
Muito mais se teria para falar dos perversos famosos. Porém o que impressiona não são mais os da História, mas em especial os anônimos. Você pode ter se envolvido afetivamente com um perverso. Já pensou sobre isso? Você pode estar dormindo com uma perversa. Estudiosos pós-lacanianos, inclusive, chegam mesmo a dizer que há perversões que passam despercebidas da sociedade e que até são aceitas como normais, como arte de criança, ou ainda como uma brincadeira de adulto.
Passar com o carro na poça da água da chuva para molhar o pedestre é uma atitude perversa. Colocar lápis de cor, de madeira, nos focinhos dos cães de estimação, é perverso. Amarrar fogos de artifício nas caldas dos gatos e vê-los desesperados correndo enquanto estouram as bombinhas de São João, é uma perversidade. Pendurar pintinhos pelas asinhas, nos arames farpados, é outra perversão.
Assistir ao reality show contemplando em segredo a postura do famoso vouyer, “dando aquela espiadinha”, leva o observador ao gozo, o que não implica necessariamente ao orgasmo, mas sente-se o prazer que começa nas pálpebras que ficam rígidas, para depois de conquistado o que se deseja ver, elas vibram e relaxam (NASIO,1993). Foi assim nas arenas romanas, é assim, também, nas lutas de MMA e no BBB.
A mãe vista como santa pela filha, presa a uma idealização divina para com a genitora, enquanto ela, a mãe, manipula os filhos, o marido, enfim, é outra perversa em casa. É difícil para os psicotizados, os filhos, admitirem que a genitora é perversa! Mas ela é, sem dúvidas! Agripina era manipuladora e produziu um filho manipulador. As mães perversas são sedutoras. Sabem como conseguir que seus filhos fiquem aos seus pés.
Sim, porque os perversos são PhDs em manipulação. Eles fazem, dissimuladamente, com que o manipulado sinta até culpa pelo que não fez ou o que a ele foi imposto realizar. E no fim, para o perverso não se deparar com a própria culpa, o conflito deve ser desmentido a todo custo. Então uma evitação cai bem nessa hora, pois que poupa a descoberta de quem verdadeiramente é culpado. Outra saída é se fazer de vítima e atrair a atenção, em especial, daqueles que o manipulador sabe onde tocar. Eles são bem estrategistas…
Ao eximir-se de ver o que está por trás daquele véu, ou sob aquela lâmina tênue d’água, conforme se observou em Tibério com os meninos, enaltece o lado fetichista, e assim com o tempo vai criando um mundo paralelo, e consequentemente, aproximando-se da loucura. Então já não há pudores, nem mais limites para mentir, pois rompeu com a razão, com o bom senso, assumindo publicamente a psicopatologia por meio de seus comportamentos insanos.
Enquanto isso, para muitos perversos voltar à realidade social é dispor mais uma vez da sua máscara, em seu mundo de ilusão, onde representa o que não é. Até que um dia revela-se a si mesmo, por não mais suportar usar de tantos desmentidos e adentra os corredores da loucura!
O perverso é até amado, devido a sua sedução. Mas ao mostrar-se impiedoso passa a ser temido. Sensibilidade chega a receber o nome de frieza. Os carrascos nazistas são vistos até hoje, em fotografias, esboçando sorrisos, após terem assassinado crianças judias. Eles, realmente, acreditavam na neurose obsessiva coletiva de Hitler acerca da raça ariana e achavam que aquilo era o certo a fazer. Ao chegarem em casa, aquelas mesmas mãos assassinas acariciavam seus filhos. O perverso cria uma história para validar, legalizar o que deseja viver.
Muitos, também, se fazem acompanhar de uma mitomania, mania de mentiras, que também os aproxima do quadro do desmentido, e cada vez mais precisam criar outros engodos para não serem descobertos. Se possível até falsificar documentos, assinaturas, envenenar o caminho por onde sua vítima deverá passar, e esta por sua vez não compreenderá porque a olham de forma estranha. O perverso, ali, já executou sua obra…
Bem, há inúmeros perversos nos trabalhos, nas empresas. Mas se seu chefe ou colega de sala é um perverso isso já é outra história…
BIBLIOGRAFIA:
FERRAZ, F.C. Perversão. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.
FREUD, S. (1905). Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Vol. VII. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1996.
KERNBERG, O.F. Agressão nos transtornos de personalidade e nas perversões. Porto alegre: Artes Médicas, 1995.
NASIO, J-D. Cinco Lições Sobre a Teoria de Jacques Lacan. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1993.
SUETÓNIO. Os Doze Césares. Lisboa: Biblioteca Editores Independentes, 2007.