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Por que Belém? – Outros erros na Bíblia?

As narrativas encontradas nos evangelhos atribuídos a Mateus e a Lucas situam o nascimento de Jesus em Belém, na Judeia. Todavia, não são poucos os pesquisadores que tomaram por princípio que, de fato, o nascimento dele teria ocorrido na Galileia, em Nazaré, ou em suas proximidades.

Mas por que, então, ensinaram que ele teria nascido em Belém?

Sobre este assunto, muitos preferem não tomar conhecimento segundo o argumento de que não importa onde ele nasceu, mas sim o que ele fez. Os defensores deste pensamento são em sua maioria cristãos. Porém, surgirá sempre esta pergunta: e se, realmente, as pesquisas arqueológicas e históricas como também as teses dos que se dedicam há décadas aos estudos críticos da Bíblia estiverem corretas? E se ele não nasceu em Belém, mas na Galileia?

Neste artigo não haverá espaço para o debate em torno dos aspectos sombrios em que sua mensagem e seus feitos foram envolvidos. Ainda não! Todavia, se há uma fé sólida e robusta em Jesus como sendo o “Cristo”, por que temer as pesquisas? Por que fazer de conta que as descobertas científicas não se referem a ele? Por que todos os resultados deste material pesquisado serão rejeitados? É ou não é a fé dos cristãos capaz de ser maior do que um “grão de mostarda”? Ou o suficientemente lúcida para “encarar a razão face a face em todas as épocas da Humanidade”?

Os escritores dos evangelhos de Mateus e Lucas apesar de narrarem o mesmo episódio fazem isto com muitas diferenças. Entre elas encontram-se os reis magos que estão em Mateus, mas que são substituídos por pastores em Lucas; em Mateus há uma estrela que anda, mas em Lucas é um anjo que dá a notícia do nascimento do “Salvador”; Mateus não fala de três magos, alguém concluiu isto pelo fato de terem sido deixados três presentes: ouro, incenso e mirra; em Mateus, Jesus já nasce em Belém, mas em Lucas os seus pais vão de Nazaré para Belém devido a um recenseamento que um governador da Síria estava fazendo, e depois que o menino completou oito dias de nascido foi circuncidado e os pais, então, voltaram para Nazaré, a cidade natal deles; porém, em Mateus, o menino e os pais fugiram para o Egito e depois foram morar em Nazaré.

As diferenças continuam, mas para não perder o foco do assunto a pergunta feita, anteriormente, volta com mais força e sentido: por que Belém?

Com a perda do poder em Israel, que se viu abandonada com a morte de Davi e de seus descendentes, os profetas e o povo passaram a alimentar a esperança ilusória que o restaurador político, o líder das massas aflitas, o estrategista militar, ou como conhecemos: o Messias, teria que reivindicar seu trono trazendo a marca da Casa de Davi, ou seja, ele teria que ser descendente de Davi e ainda ter que nascer em Belém, na Judeia, mesmo local de Davi.

Teria sido proposital, então, que os escritores dos evangelhos tenham colocado o nascimento de Jesus em Belém? Em quais argumentos se baseiam para esta suspeita? Ou tudo seria apenas pura provocação de pessoas que querem aparecer na mídia? Mesmo que isto seja real, por que os cristãos temem tanto esta confirmação?

Quando se tem nas mãos a narrativa de Lucas, encontra-se um erro grave do ponto de vista histórico. O censo realizado por Quirino, segundo estudiosos, teria ocorrido durante ou após o ano 6 d.C. e a estrutura política de dominação romana era menos burocrática do que se encontra na narrativa. Quem trabalhasse em Nazaré, por exemplo, teria que se cadastrar em um distrito responsável por Nazaré, que naquela época era a cidade de Séforis, onde, inclusive, já realizamos algumas pesquisas. (RANGEL, 2007).

Outro ponto importante é que enquanto Herodes foi rei, instituído por Roma, ele não era obrigado a aceitar um censo, pois Roma não agia assim com reis clientes. Então, para aqueles fervorosos cristãos que ainda insistem na veracidade do censo, é lamentável informar que nem após a morte de Herodes em 4 a.C, durante o governo de seu filho Arquelau que foi deposto em 6 d.C, houve um cadastro de famílias com finalidades tributárias. Isto ocorreu após Quirino assumir o cargo para organizar a bagunça deixada por Arquelau. Portanto, depois do ano 6 d.C. e mesmo assim, isto ocorreu para os que viviam na Judeia e não para a Galileia, pois esta era governada por outro filho de Herodes, o Antipas, ou seja, o acordo de não intervenção tributária ainda vigorava. (VERMES, 2007).

Conclui-se, então, que se era em Nazaré que estava a produção de dinheiro e os bens da família não há qualquer base para aceitar uma viagem cansativa. A suposta viagem, partindo desta vila para Belém, considerando a distância e os perigos para uma mulher em alto estado de gestação, sentada em cima de um jumento como é descrita na “estorinha do presépio”, não passa de uma lenda e, diga-se de passagem, muito bem arranjada nos profetas antigos.

Outra questão que se refere à profecia do nascimento em Belém encontra-se em Mateus. Herodes manda chamar os escribas e estes lhe revelam a profecia do Messias dizendo ao rei que o herdeiro de Davi viria de Belém. Observe na narrativa que ao invés de Herodes mandar seguir os magos simplesmente aguarda que eles voltem com a notícia do local exato do nascimento para que ele pudesse “reverenciar o Messias”, na verdade matá-lo. Quem conhece os inúmeros relatos históricos e biográficos acerca de Herodes sabe que ele teria mando seus soldados seguirem os magos e matarem a criança.

Não foi em vão que, de forma irônica, o Imperador Augusto sobre Herodes chegou a dizer: “É melhor ser um porco de Herodes do que seu filho.” Isto se explica pelo fato dele ter mando matar alguns filhos bem como sua amada esposa Mariamne e vários membros de sua corte, pois tinha paranóia de perder o trono. Também na frase inteligente de Augusto está a explicação de como Herodes tentava se passar por judeu para ser aceito como rei, pois ele havia, até, deixado de comer carne de porco. (RANGEL, 2011).

Os defensores fervorosos da autenticidade histórica dos evangelhos dizem que Lucas, como bom pesquisador, não pode ter cometido erros. No entanto, ninguém consegue explicar porque Lucas ou quem escreveu Lucas não narrou o infanticídio supostamente ordenado por Herodes. Mateus o narrou, por que Lucas não? Se foi fato histórico como isto he passou despercebido? A resposta, talvez, esteja no fato de que, até hoje, não há uma linha documentada que comprove tal chacina com crianças abaixo de dois anos.

Porém a pergunta continua de forma insistente: por que Belém?

Mateus parece dar a resposta. Encontra-se no capítulo 2, versículo 6:

“E tu Belém, terra de Judá,
de modo algum és o menor entre os clãs de Judá,
pois de ti sairá um chefe
que apascentará Israel, o meu povo”.

O que fica claro, então, é que o autor de Mateus percebe a necessidade de ligar Jesus a Davi, até no ponto quando usa o verbo “apascentará”. Quem apascenta, apascenta rebanho de ovelhas. E quem faz isto é pastor. Davi era pastor. Na tradução grega desta mesma passagem, não há a palavra “apascentará”, usada habilmente pelo autor de Mateus. Depois de ter dito que o menino nasceu em Belém, Mateus precisa arranjar uma justificativa para ligar Jesus e seus pais a Nazaré, usando para tal a volta deles do Egito. E foi aí que surgiu outro erro bíblico. Ele evoca a profecia de profetas desconhecidos nas escrituras do Antigo Testamento para dizer, no capítulo 2, versículo 23:

“Ele será chamado Nazareu”
Não há qualquer profecia no Antigo Testamento que traga esta proposta. Ou seja, quem escreveu isto em Mateus deu um jeitinho para criar algo do nada. Além do mais “nazareu” e “nazareno” são palavras com significados bem distintos. A primeira diz de alguém que não corta os cabelos, não bebe vinho e vive como asceta, abstendo-se, inclusive, de sexo. Sansão é mencionado na Bíblia como um nazareu, porém só não cortou o cabelo, mas o resto ele fez tudo que tinha direito… Nazareno é de quem vem de Nazaré. Os dois evangelistas parecem saber que Jesus era de Nazaré. Tanto Jesus como seus amigos eram conhecidos como nazarenos. Não há, então, justificativa para chamá-lo “Nazareu” a não ser outra que deseja colocá-lo como divino, distante do mundo dos homens.

E então por que Belém? Ao que parece está mais do que óbvio. É para validar o messianato de Jesus.

Mas pesquisar isto é importante por quê? – perguntam os cristãos.

É que, pensando direitinho, talvez isto explique o quanto houve manipulação e por onde a sua mensagem começou a ser adulterada para que ele fosse aceito como o Messias. Mas isto leva inevitavelmente a outra pergunta: se o Messias teria que ser de Belém, mas até agora nada prova que Jesus nasceu lá como pode ser ele o Messias? Sem esquecer das inúmeras características de uma personalidade bélica que um Messias deveria ter e que não se encontram em Jesus. (RANGEL, 2013).

Para os cristãos de “muita fé” isto não muda coisa alguma, não é mesmo? Então para que pesquisar? Por que proibir pessoas de falarem sobre isso? E por que temer alguma descoberta?

Talvez a resposta esteja em “se eu descobrir que tudo não passou de uma farsa o que farei com o que acredito?”. Outra resposta é mais grave para tal comportamento e seria esta: “como dominarei os que não pensam e assim estas pessoas deixarão de me reverenciar porque elas terão o conhecimento e eu não serei útil para mais nada…”

Será que a perversidade cristã chegaria a este ponto? Isto não poderia vir de cristãos, acho que não… Será?

BIBLIOGRAFIA

Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002

RANGEL, L.. Eu sou Yehoshú’a. Recife: Bom Livro, 2007

________, L. Por que Jesus? – Para Compreender a História de um Homem e seu Povo. Recife: Bom Livro, 2011.

________, L. Jesus Além da Crença. Recife: Bom Livro, 2013.

VERMES, G. Natividade. Rio de Janeiro: Record, 2007

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