Anterior

Um Judeu Justo

De tradição judaica, a sua educação foi direcionada desde a tenra infância para, ao lado de outros meninos, aprender sobre a Torá, a Lei de seu povo.

Dentro de uma pequena e velha sinagoga que servia de sala de aula, ele passou a entrar em contato com os textos dos antigos profetas de sua gente.

Esse judeu nasceu e morreu no período em que o seu povo era dominado por um invasor estrangeiro. Ainda criança, ouviu falar de um certo ‘herói’, Judas, o Galileu, que tentou dar liberdade e voz ao seu povo, porém, ele não teve um fim feliz.

O cenário onde esse judeu nascera, apesar de belo, cercado por montanhas verdes, há muito havia perdido a paz.

E assim, logo cedo, descobriu a violência, a miséria e até mesmo soube da corrupção que adentrara a intimidade da Casa de seu Deus, o Grande Templo.

Com o tempo, seguiu o ofício do pai, mas também aprendeu os segredos da pesca, da agricultura e do pastoreio.

O contato com seus amigos pescadores e a falta de oportunidades para um campônio galileu, o conduziram à pequena Cafarnaum.

Perante aquela paisagem com águas verdes, composta por montes, ele entendeu o porquê de chamarem aquele lugar de Lago da Citra. Era devido ao seu formato que fazia lembrar o harmonioso instrumento de cordas.

A musicalidade das ondas e os arranjos das melodias feitos pelos ventos que sopravam dos montes de Golam, não só sacudiam os barcos, mas faziam vibrar todo seu ser.

Ele se sentia livre nos pensamentos e sentimentos…

Envolto em uma sofrida realidade, recebendo notícias de morte, estupro, saques e pilhagens nas terras que pertenciam aos seus amigos e familiares, além dos gritos de dor que repercutiam cada vez mais em seus ouvidos, não podia ficar em paz…

Diante disso, percebera que algo deveria ser feito. Todavia, o que a sua cultura ensinava era a luta armada, os motins e a revolução de alguns de seus conterrâneos, conhecidos por Zelotas não lhe pareciam uma boa alternativa, haja vista, serem a favor da guerra.

Ele era só um carpinteiro e construtor de casas que nas horas livres pescava com aquela gente simples e analfabeta.
Mãos e pés calejados pelo trabalho exaustivo nas pedreiras de Nazaré, o que poderia fazer, senão, relembrar a essência das Leis esquecidas e até ignoradas pelas massas sofridas.

Estava ali o início de alguma mudança, construir e pescar. Era disso que entendia! Se esforçaria para construir uma nova maneira de olhar o Mundo e o Outro; pescaria na intimidade da alma humana, jogando as redes bem no fundo, a fim de descobrir o que poderia encontrar de valor.

Era como se uma força maior o impulsionasse e quando abriu a sua boca, calou a de muitos. Seus olhos ajudaram outros a enxergar o que era visível, mesmo que para estes fosse imperceptível.

Suas mãos talhavam corações de pedra! Seus passos não diziam para onde ele iria, porque sua bússola estava no desejo da Justiça e onde houvesse perseguidos, injustiçados, órfãos, viúvas, doentes e famintos, era ali o seu Norte.

Logo percebeu que precisaria mostrar nas atitudes o que falava. Assim, agiam os homens sábios de sua religião. De nada adiantaria orar, jejuar, dar esmolas, visitar o Templo, cumprir com toda a Torá se ele não buscasse ser um judeu justo, um Tzadik.

Muitos não o escutaram, porque acreditaram que tudo o que passavam de tormentos na vida, era por vontade divina; outros, aguardavam um Messias que os libertassem de suas próprias escolhas equivocadas; milhares não o entenderam e até o ignoraram.

Coube a um grupo pequeno, e não a uma multidão, acompanhar seu caminhar ou acolhê-lo em casa, e até mesmo o apoiaram com dinheiro.

Na verdade, todos sonhavam com dias melhores, mas divergiam sobre como deveriam ser o melhor para os seus dias.

Ele era imprevisível, inquieto e, às vezes, sentia uma profunda compaixão. Em outras, experimentava indignação!

É assim que um Tzadik, uma pessoa justa, se encontra sozinha na multidão. Uma pessoa que sabe e vive o que sabe, ainda que cercada por dificuldades, dores e incompreensões, não desiste e mesmo que acompanhado, está só…

Um Tzadik não faz por si, faz pelo Outro! A justiça para um Tzadik está em ser e não esperar que os outros sejam!
Todo aquele que deseja seguir um Tzadik, não deve esperar nada do Mundo, mas é dever dele ser a diferença no Mundo.

E aquele Nazareno, um verdadeiro Tzadik, foi acusado de sedição, ou seja, a promoção de desordem foi o que mais lhe pesou na condenação à morte!

Depois, o acusaram de tudo o que puderam, blasfêmia, operar sinais em dias proibidos, mas na verdade, o desejavam calar, porque não suportavam ouvir e ver as próprias injustiças cometidas em todos os dias de suas vidas vazias e sem sentido.

Os líderes do povo que sentiram a força do Tzadik crescendo, se achavam puros e eleitos de Deus. Cumpriam com a forma da religião, mas andavam afastados da essência dos ensinamentos.

E o povo? Ah, o povo sequer tomou conhecimento do Tzadik, daquele homem que veio do Norte, que deixou de ver o Lago da Citra e que abriu mão de estar em família por uma Causa Maior…
Tudo isso para mostrar àqueles que sofriam que não precisavam fazer escolhas de dor e que existia algo além, e por isso mesmo, ele sempre falava aos desencorajados na Vida, “AVANTE! EM MARCHA!”

Mas, nem os poucos amigos analfabetos que andavam, comiam e bebiam com o Tzadik, se permitiram entender, ao menos sentir que o Mundo deles poderia ser diferente!

Dizem que o Tzadik morreu da mesma forma que muitos de seus conterrâneos.
Quando criança, ele vira os corpos presos às madeiras. Há muito, ele havia entendido que aquela crueldade seria imposta aos criminosos.

E ali, diante da sua morte, suspenso do chão, excluído da sociedade que tentou ajudar, o Tzadik cheio de dores, sabedor de ter sido um homem justo, em um grito de agonia, pressentindo a morte, evocou o espírito de um grande Tzadik do passado, “Eliyyahu, Eliyyahu…”

E as pessoas que ouviram suas palavras se aproximavam um pouco mais, para ver se ele clamava pelo seu Deus ou pelo espírito do profeta que viria buscá-lo…

Dizem por aí que o Tzadik morreu para levar os pecados da Humanidade, mas isso só repetem, porque não compreenderam ainda o que é ser um Tzadik…

Loading